ABIA NA MÍDIA – Em reportagem publicada em 08/02/2022, o especialista do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI) – coordenado pela ABIA, apresentou uma importante análise no Observatório do 3º Setor. Confira

Especialista fala da luta pela quebra da patente de vacinas contra Covid

Dois anos após o começo da pandemia de Covid-19, muitos países ainda não têm acesso às vacinas. No continente africano, por exemplo, apenas 6,6% da população estava completamente vacinada em novembro de 2021. Dentre os motivos que impedem a distribuição proporcional das vacinas, está a questão das patentes.

Com as patentes asseguradas às empresas farmacêuticas, o custo das vacinas permanece alto e muitos países que teriam condições de produzir as vacinas, caso estivessem autorizados a usar os modelos já prontos, acabam precisando esperar pela produção em outros lugares.

No âmbito internacional, a quebra de patentes está entravada na Organização Mundial do Comércio (OMC). Em outubro de 2020, mais de 100 países propuseram à OMC a suspensão temporária da propriedade intelectual relacionada à pandemia, mas isso ainda não se concretizou.

Alan Rossi, assessor jurídico do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI) da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS, explica que o impedimento se deve a uma pressão enorme por parte de alguns países ricos e de corporações farmacêuticas. “Em conluio com empresas sediadas em seus respectivos territórios, há uma minoria de países no âmbito da OMC travando as negociações em torno do TRIPS Waiver, as quais já vêm se arrastando há mais de um ano”, explica.

Alan ainda criticou o histórico da OMC de tomar decisões que não priorizam os direitos humanos. “É importante considerar que a própria OMC não pode ser considerada uma organização imparcial“, afirma.  “A forma como têm sido levados os debates em torno do TRIPS Waiver só deixa ainda mais evidente o viés desse organismo multilateral, que tem e sempre teve a função de proteger o interesse de grandes corporações globais e promover um novo tipo de colonialismo”, conclui o pesquisador.

A situação se deve, em grande parte, à omissão do Brasil. O país tem um histórico de apoio à quebra de patentes de medicamentos. Durante a epidemia da AIDS, a força política do Brasil colaborou para a quebra da patente dos remédios para a doença.

Em 1996, o governo brasileiro conseguiu negociar a compra do coquetel antiviral da Aids a preços mais baixos, e em 2007, quando não foi possível chegar a um acordo, o governo quebrou a patente das drogas para o coquetel de tratamento da doença e se tornou referência mundial no controle da AIDS.

De acordo com Rossi, a história do país é marcada por posições extremamente importantes em defesa do direito à saúde e da soberania das nações.

A posição do Brasil em relação à questão, durante a pandemia de Covid-19, é bem diferente desse histórico. “Se tem uma novidade nessa história toda é a subserviência com a qual o governo brasileiro tem se submetido aos interesses dos países ricos e de empresas estrangeiras”, afirma Rossi.

O Brasil foi contra a suspensão das patentes das vacinas contra a Covid, alinhado à postura adotada pelo governo dos EUA durante a gestão de Donald Trump. Apenas em 2021, quando o governo americano mudou de opinião, o Brasil reverteu sua posição.

Porém, para Rossi, o país tem potencial para reverter o impedimento da quebra de patente das vacinas, assim como teve durante a epidemia de AIDS. Segundo ele, o Brasil possui um dos mais importantes mercados farmacêuticos do mundo e poderia influenciar decisivamente o curso da pandemia.

Rossi acredita que a escolha do Brasil de abandonar o Sul Global acaba endossando países que, historicamente, têm oprimido e causado a morte do seu próprio povo.

A falta de disposição do Brasil pela causa não está apenas no âmbito global, mas também nacional. Em agosto de 2021, o Senado brasileiro aprovou um projeto de lei que buscava aperfeiçoar os procedimentos e a segurança jurídica da quebra de patentes em casos de emergência nacional e de interesse público, algo previsto na Constituição brasileira.

No entanto, o presidente Jair Bolsonaro vetou cinco pontos do projeto de lei, o que desfigurou a proposta. Para Rossi, essa deformação tem consequências graves e ele acredita que a população deve exigir que o Congresso Nacional derrube os vetos presidenciais.

“É fundamental que todas e todos se engajem nessa luta e sigam de perto as ações que estão sendo desenvolvidas pela sociedade civil brasileira”, afirma.