“Para que a gente consiga avançar, dependemos de diferentes fatores, onde o dinheiro, por incrível que pareça, não é o problema”, afirmou Elisa Cattapan ao falar sobre os entraves burocráticos do governo para que a população tenha acesso ao tratamento da hepatite C, durante o seminário “Avanços e Desafios na Resposta a HCV no Brasil”. “São entraves para que a sustentabilidade do tratamento seja contemplada. Desde 2015, foram gastos 2,02 bilhões de reais na compra de medicamentos contra hepatite C.”
Rodrigo Pinheiro, presidente do Fórum de ONGs AIDS de São Paulo contestou afirmando que “negociação e orçamento não garante acesso. Em São Paulo, apenas 10% das pessoas que são diagnosticados estão recebendo medicamentos. A garantia desse acesso ainda não está sendo cumprido e o governo brasileiro precisa dar uma resposta.”
Ao ser questionada sobre os entraves burocráticos mencionados em sua apresentação, Elisa esclareceu que o departamento não tem poder de gestão devido ao elevado preço do medicamento. “Isso significa que fazemos o pedido da compra de medicamentos, mas a decisão é realizada pelo ministro. Nosso papel é cobrar, insistir e aguardar. Não fazemos a gestão do dinheiro, apenas embasa a necessidade dos insumos.”
Elisa também ressaltou que a hepatite C é a terceira causa de transplante hepático no Brasil e anunciou que o teste de fluído oral para hepatite C estará disponível no Brasil em breve. “A facilidade do diagnóstico é fundamental.”
Patentes e entraves
Felipe Fonseca do Grupo de Trabalho e Propriedade Intelectual (GTPI), coordenado pela ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS), falou sobre a necessidade de se respeitar o direito da população ao tratamento. Para ele, o que impede o tratamento em massa de concretizado é a maneira como a indústria farmacêutica funciona.
Felipe esclareceu que a margem de lucro da indústria farmacêutica, em média, é de 21%, em comparação com 4% de grandes corporações de outros segmentos. “Os medicamentos são tratados como artigos de luxo, o que é oposto à ideia de acesso em massa da população à saúde.”
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), até o ano de 2030 – período no qual expira a patente do medicamento – 10.5 milhões já terão morrido em decorrência da hepatite C.
“O Brasil não está saindo do lugar”
Para Felipe, a luta contra a hepatite C não está saindo do lugar, uma vez que o número de novas infecções é maior do que o número de curas. Dados de 2015 mostram que, em todo o mundo, 1.5 milhões de pessoas foram curadas da doença. No entanto, foram registradas 68.5 milhões novas infecções.
No Brasil, o cenário é de estagnação. Em 2015, 25.521 estavam em tratamento no país. Mas foram registrados 24.460 novos casos da doença.
“Por mais que a gente esteja em um momento positivo – pois agora o sofosbuvir já pode ser produzido no Brasil, incluindo seu princípio ativo – se continuarmos reféns deste modelo, não sairemos do lugar. É necessário repensar as estruturas que sustentam esses abusos comerciais e descobrir como as empresas podem ser obrigadas a responder contra isso. A sociedade civil, apesar de nunca ser convidada pra nada, está fazendo sua contribuição.”
Parcerias Internacionais
A atual lei brasileira impede que o país importe medicamentos de outros países, ainda que estes sejam mais baratos. Luis Mendão, da Coalition Plus, veio de Portugal para falar sobre a importância das parcerias internacionais. Ele enfatiza que a sociedade civil “tem que ser incisiva para garantir que alguns avanços não seja apenas conversa. É também necessário pensar que as empresas farmacêuticas menores pagam miseravelmente seus funcionários, e as maiores tem condições de fornecer melhores salários para seus funcionários, o que acaba refletindo no preço dos medicamentos.
“Parcerias entre países foram essenciais para munir de instrumentos as várias organizações que fariam trabalho em campo. Se a comunidade tiver a melhor informação possível , ela pode fazer muito mais. É importante a união de quem tem objetivos comuns. Esses encontros não pode ficar apenas a nível de discussões médicas, farmacêuticas ou científicas., ou seja, desempenha um papel fundamental para o equilíbrio do movimento em escala mundial.”
Para ele, a comunidade brasileira será determinante “para encontrarmos capacidade para trabalhar em conjunto, princialmente nos países de língua portuguesa, uma vez que a realidade nesses países é pior do que a de muitos países da África.”
O seminário nacional “Avanços e Desafios na Resposta a HCV no Brasil ‘Rumo a 2030′” aconteceu em julho, em homenagem ao Julho Amarelo. A iniciativa teve apoio da Plus Coalition Internationale Sida.
Fonte: Agência de Notícias da AIDS