A extensão da validade das patentes e seus impactos devastadores para a saúde pública foram denunciados pela segunda em nova manifestação da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), contra o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial do Brasil, que é alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade, a ADI 5529, movida pelo Ministério Público Federal (MPF).
A ABIA, por meio do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), participa da ação como amicus curiae, no Supremo Tribunal Federal (STF), iniciada em maio de 2016. Em agosto do mesmo ano, a ABIA foi a primeira organização a se manifestar nesta condição, seguida por várias outras organizações em favor da declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40.
“O parágrafo único do artigo 40 causa enormes prejuízos para o orçamento do Estado, para a sustentabilidade das políticas do Sistema Único de Saúde (SUS) e para o orçamento das famílias brasileiras. Aspecto que fica escondido pela forma técnica e jurídica com a qual o debate tem sido exposto”, explica o advogado do GTPI, Alan Rossi, ao comentar o principal problema do parágrafo: a ampliação do prazo de vigência das patentes no Brasil.
“É uma singularidade inaceitável para o âmbito jurídico brasileiro, considerando que o período de proteção de um monopólio pode ultrapassar o prazo de 20 anos estabelecido em lei, chegando, em alguns casos, a somar 30 anos de exploração desse direito”, afirma o advogado.
Rossi lembra que a própria existência dos pedidos de patente, já garantem na prática a exclusividade de comercialização dos medicamentos, sob os quais as grandes empresas farmacêuticas têm imposto preços abusivos sem nenhuma restrição de teto ou transparência sobre os investimentos em pesquisa, desenvolvimento e produção, além de inibir a concorrência.
“Nenhum laboratório investiria na produção de uma substância que pode ter seu direito restrito a qualquer momento. É o que se chama de ambiente de instabilidade jurídica, que consolida um monopólio de fato. Então, antes mesmo da concessão do pedido de patente, as farmacêuticas já estão ganhando só com a existência do pedido no INPI. É do interesse de quem prorrogar? Da população não é”, contesta.
Artigo 40 agrava a pandemia
“Normalmente, já é muito grave enfrentar durante décadas as patentes de medicamentos essenciais contra o HIV/AIDS, Hepatite C e Tuberculose, como a ABIA vem fazendo em sua longa trajetória na defesa do direito fundamental à saúde”, afirma o vice-presidente da ABIA, Veriano Terto Jr. “Diante de uma pandemia como a Covid-19, que não sabemos ainda o quanto vai durar e com a emergência de resposta que ela pede diante de mais de um milhão de mortos no mundo em tão pouco tempo, não podemos ter como perspectiva este tipo de barreiras comerciais como entrave para o acesso às futuras vacinas e tratamentos”, avalia Terto Jr.
Entidades apoiam a retirada do dispositivo
A manifestação contou com a adesão de organizações como Médicos Sem Fronteiras (MSF) que, por meio de nota técnica, aponta que o parágrafo único do artigo 40 da LPI precisa ser abolido. A MSF destaca que “ao prolongar o prazo das patentes de medicamentos para além de 20 anos, o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial do Brasil pode levar a preços exorbitantes de medicamentos, mantidos por longos períodos de tempo”, representando para a organização uma ameaça à sustentabilidade do sistema de saúde e atraso ao acesso dos pacientes a medicamentos que podem salvar suas vidas.
Entre as demais organizações que enviaram Cartas de Apoio, estão a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco); Conectas Direitos Humanos; Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar); Fórum das ONG/AIDS do Estado de São Paulo (Foaesp); Grupo de Incentivo à Vida (GIV) e as Universidades Aliadas para o Acesso a Medicamentos (UAEM).
A manifestação de amicus curie foi feita pelo GTPI/ABIA, em parceria com o Núcleo de Prática Jurídica e pelo Centro de Tecnologia e Sociedade, ambos da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
O GTPI é um coletivo de 19 organizações da sociedade civil, coordenado pela Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA).
SAIBA MAIS
Amicus curiae – (do latim: amigo da corte) Expressão do Direito para designar instituição que fornece subsídios às decisões dos tribunais, por meio de experiências, fatos, citações ou artigos jurídicos, oferecendo-lhes mais fundamentos para questões relevantes e de grande impacto na direção de uma tomada de decisão mais justa.