A Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) integrou o grupo de organizações da sociedade civil global que contribuiu no documento encaminhado para a Reunião de Alto Nível sobre a AIDS, finalizada em 10/06 e que reuniu as principais lideranças mundiais a fim de avaliar se houve redução do impacto sobre do HIV/AIDS desde a última reunião da ONU, ocorrida em 2016.
Apesar de reconhecermos a importância de priorizar o enfretamento de desigualdades que afetam a epidemia de AIDS, lamentamos profundamente a ausência de planos e metas mais concretas para reduzir as desigualdades que estejam, de fato, integradas a um plano de ação da ONU e no propósito de efetivar a promessa do fim da AIDS. Mais uma vez, o plano estratégico que acaba de ser anunciado pelo organismo multilateral – uma proposta para mais cinco anos do enfrentamento do HIV e da AIDS no mundo – concentra atenção em metas biomédicas. O documento oferece pouco além de um discurso retórico – correto, mas vazio em termos de ação – sobre a importância da redução das desigualdades.
Para a ABIA, é inaceitável o uso de retóricas vazias sobre desigualdades sociais, seja no âmbito nacional ou global, sem desenvolver estratégias concretas e inovadoras para enfrentar estas questões diretamente. Durante mais de 25 anos, tanto a sociedade civil quanto as agências da ONU têm reconhecido a relevância dos determinantes sociais e políticas do HIV e da AIDS. Ainda assim, por meio de cada plano estratégico aprovado pela comunidade internacional, as metas vêm sendo reduzidas para indicadores biomédicos cada vez mais estreitos, sem planos concretos para o enfrentamento das desigualdades que movem a epidemia.
A realidade é ainda mais grave no atual momento que o mundo está vivenciando, caracterizada pela ruptura da democracia em muitos países e pelo surgimento de novas ameaças à saúde global. Diversos países que tentaram promover a igualdade e a justiça social se tornaram alvos de forças fascistas, autoritárias e populistas recentemente. Estas forças são as principais responsáveis pelo fomento da desigualdade, da exploração e, portanto, do ambiente propício para o surgimento de doenças e da propagação do vírus como do HIV e da Covid-19.
Há uma esmagadora maioria de países no mundo que não demonstra interesse em mapear como essas desigualdades são produzidas, de que maneira impactam na saúde, e como podem ser reduzidas para garantir o enfrentamento da epidemia da AIDS e da Covid-19.
Para a ABIA, o desinteresse global e a alta concentração de renda entre poucos no mundo privado, em detrimento do mundo público, aprofundam as desigualdades e geram cada vez mais escassez de recursos para as iniciativas comunitárias. Embora o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), sob a liderança de Winnie Byanyima, tenha reconhecido o valor da resposta comunitária, até o momento, não houve nenhum plano concreto sobre como enfrentar a crescente escassez de recursos para ações da sociedade civil, por exemplo. Ressaltamos, portanto, a necessidade urgente da materialização real deste recorte no âmbito das políticas globais, regionais e local.
Para nós, da ABIA, para alcançar as metas para a redução das desigualdades a ONU deve assumir posicionamentos mais contundentes. Sugerimos a seguir alguns caminhos:
1 – Condenação e fim das políticas e regimes econômicos que produzem concentração de riqueza nas mãos de poucos e escassez para a maioria da população. Grandes fortunas e concentrações de renda, precisam ser taxadas de forma proporcional a contribuir com a distribuição de renda;
2 – Estímulo e apoio para a adoção de políticas de enfrentamento ao desemprego e promovam a inclusão e o acesso ao trabalho e renda, especialmente daqueles historicamente excluídos do mercado de trabalho;
3 – Adoção de metas de zero para o estigma e a discriminação em relação ao HIV/AIDS juntamente com as metas epidemiológicas e biomédicas;
4 – Condenação veemente de todos os países que tenham adotado leis punitivas e criminalizantes sobre a transmissão do HIV/AIDS;
5 – Reconhecimento da cidadania plena de pessoas trans, gays, prostitutas e todas as chamadas população chave, inclusive com o fim da criminalização da prostituição e da homossexualidade;
6 – Defesa dos sistemas públicos de saúde baseados em universalidade, equidade e integralidade dentro do marco dos direitos humanos;
7- Eliminação de qualquer sanção aos países que adotarem a Declaração de Doha e flexibilidades no TRIPS como forma de enfrentar a escassez de medicamentos para tratar suas populações;
8 – Promoção da reforma imediata do sistema de regulação de patentes em medicamentos e produtos em saúde de forma a facilitar o acesso universal a medicamentos e vacinas;
9 – Viabilização de fontes de financiamento que valorizem a autonomia e a vitalidade do setor comunitário, com ênfase para as organizações da sociedade civil.
Rio de Janeiro, 11de junho de 2021
Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS