Por Wilza Vieira Villela *
O preservativo feminino é uma alternativa para a prevenção do HIV, de doenças sexualmente transmissíveis e da gravidez. Sua comercialização e distribuição se iniciaram na década de 90, e atualmente está presente na maioria dos países, em diferentes versões.
Usado de forma consistente, sua eficácia contraceptiva é acima de 90%. A eficácia da prevenção das DST e do HIV depende da prevalência destes agravos na população de referência, e ainda da taxa de uso do preservativo masculino. Alguns estudos reportam redução nas taxas de novas DST e do HIV quando ele é oferecido para populações mais vulneráveis e que se disponham a utilizar o método. Estudo brasileiro realizado por Barbosa (2007) apontou que o uso do preservativo feminino associado ao do preservativo masculino pode aumentar a proporção de relações sexuais protegidas.
A principal vantagem deste método é permitir às mulheres uma alternativa para sua proteção quando o parceiro não quer usar o preservativo masculino. Numerosos estudos têm demonstrado sua aceitabilidade por mulheres e homens em diferentes contextos sociodemográficos e culturais. Apesar disto, em termos globais, seu uso ainda é baixo.
No Brasil, o preservativo feminino foi introduzido em dezembro de 1997. A partir do ano 2000 as Secretarias Estaduais de Saúde passaram a recebê-lo do Ministério da Saúde. Para tanto, foram realizadas oficinas em cada um dos estados da federação visando sensibilizar gestores e representantes para o uso do método e pactuar as estratégias para sua distribuição e monitoramento. A perspectiva é de que deveria haver desde os níveis centrais até os níveis locais e de contato direto com a população uma estreita articulação entre os programas de DST/aids e as áreas técnicas de saúde da mulher para que o preservativo feminino fosse ofertado dentro de um conjunto de ações voltadas para a saúde sexual e reprodutiva das mulheres. Portanto, além desta articulação, há o entendimento quanto à necessidade de implementação de práticas educativas com os gestores e os profissionais responsáveis pela oferta do método às mulheres para que eles próprios possam conhecê-lo, apreciar as suas vantagens e se conscientizarem da importância de oferecê-lo às mulheres, com o necessário suporte para o uso.
Entretanto, em função do custo e da limitada produção do preservativo, foram definidos grupos prioritários para a oferta do método: mulheres profissionais do sexo, mulheres em situação de violência doméstica ou sexual, mulheres soropositivas e parceiras de homens soropositivos, mulheres usuárias de drogas e parceiras de usuários de drogas injetáveis, mulheres com DST, mulheres de baixa renda e usuárias dos serviços de atenção à saúde da mulher. Esta opção, embora compreensível, trazia algumas dificuldades de operacionalização; a fragmentação dos grupos considerados prioritários exigia um esforço adicional para buscar grupos de mulheres com características distintas e que acessavam os serviços de forma heterogênea e por meio de diferentes portas de entrada.
De qualquer modo, entre 2000 e 2009 foram adquiridos e distribuídos para as Secretarias Estaduais de Saúde pelo Ministério da Saúde aproximadamente 16 milhões de unidades de preservativo feminino. Como resultado, em 2008, aproximadamente 6,7% das mulheres brasileiras referiam ter usado o PF ao menos uma vez na vida, havendo também um aumento discreto dos estudos acadêmicos que buscavam analisar a experiência dos serviços de saúde e das suas usuárias com o preservativo feminino. Paralelamente a esse processo, foi encomendada uma pesquisa avaliativa que buscou identificar os principais problemas na disponibilização do preservativo feminino às mulheres de acordo com a perspectiva adotada. Os resultados desta pesquisa, concluída em 2005, apontam vários problemas no âmbito da gestão dos serviços em níveis central e local que deveriam ser solucionados para garantir de fato o acesso das mulheres a este insumo.
No entanto, aparentemente as recomendações desta pesquisa não foram implementadas. Em face da baixa adesão e da cobertura de uso do PF, identificadas em pesquisas de base nacional e estudos locais, apesar dos reconhecidos benefícios trazidos pelo preservativo feminino, nova pesquisa foi realizada sobre o tema em 2009. Levando em conta a tensão entre a perspectiva universalista, segundo a qual o preservativo deveria ser distribuído amplamente, e a focal, que definia grupos específicos para acesso ao método, presente de forma ambígua nos discursos dos gestores e nos documentos político-normativos do Ministério da Saúde sobre o assunto, as autoras Barbosa e Perpétuo refletem sobre dois cenários hipotéticos. Num primeiro, de distribuição direcionada, o preservativo feminino, não estando disponível em quantidade suficiente para cobrir a demanda dos grupos selecionados, deveria ser ofertado a partir de estratégias específicas para melhor atingir estes grupos, e articulado com a oferta de condom masculino, visando garantir proteção para um número maior de relações sexuais.
O segundo cenário diria respeito à distribuição ampla do preservativo feminino pela rede de atenção à saúde, situação na qual o quantitativo disponível estaria muito abaixo do necessário para a finalidade de prevenção, mas poderia contribuir para popularizar o uso do método e reduzir algumas barreiras referidas nos estudos de aceitabilidade e efetividade. Em quaisquer das duas estratégias a equipe de saúde deveria estar convencida da utilidade/oportunidade do preservativo feminino, bem como precisariam ser desencadeadas ações de monitoramento e avaliação que considerassem não apenas os aspectos quantitativos da distribuição, mas as características da dispensação, do uso e da adesão, visando ajustar as rotinas de oferta e acompanhamento pelos serviços. De acordo com as autoras, “a política relativa à distribuição do PF desenvolvida nos últimos 10 anos parecia ter ficado no meio do caminho, não assumindo qualquer postura de forma clara”, o que sugere a importância de uma definição mais efetiva da política que orientaria a oferta deste insumo de modo a otimizar a oferta e os benefícios potenciais da distribuição e uso do método.
A necessidade de intensificar as estratégias de prevenção para as mulheres levou o Ministério da Saúde a anunciar, no final de 2009, o aumento do número de unidades do Preservativo Feminino a serem adquiridas no ano seguinte. Para tanto, o estudo de Barbosa e Perpétuo foi ampliado, com apoio do UNFPA, objetivando compreender a dinâmica de oferta e a utilização do preservativo feminino de uma forma mais ampla. Assim, foi considerado o cenário internacional e nacional de produção, a comercialização e a divulgação do preservativo, as estratégias de distribuição e a disseminação do método no âmbito dos serviços de saúde e organizações não governamentais, e ainda a própria experiência das mulheres, documentadas em estudos e pesquisas.
Os resultados deste esforço reiteraram os achados do estudo anterior, mostrando mais uma vez problemas no âmbito da gestão, incluindo a distribuição dos insumos às unidades, na capacitação dos serviços e dos profissionais para a oferta do método às mulheres e falhas no processo de monitoramento e avaliação. Como uma das recomendações do estudo, foi realçada a necessidade de ser desenvolvida uma estratégia de comunicação que reposicionasse o preservativo feminino no contexto de insumos voltados para a saúde sexual e reprodutiva das mulheres, desconstruindo alguns significados negativos associados ao método: feio, barulhento, incômodo, e próprio para mulheres com alto risco de infecção.
Para subsidiar o delineamento desta estratégia, foi realizado um conjunto de grupos focais com gestores e mulheres de diferentes segmentos em três estados do país. Especificamente, esta iniciativa visava apoiar a divulgação e a distribuição nos estados e nos municípios do preservativo feminino de 2ª geração, adquirido num quantitativo de 20 milhões de unidades pelo Ministério da Saúde em junho de 2011.
As sugestões oferecidas por este trabalho apontavam para a importância de uma ação comunicacional em diferentes planos, desde o emprego da mídia até a produção de materiais educativos de uso e disseminação nos serviços de saúde e em eventos; divulgação específica das vantagens do preservativo feminino junto a profissionais de saúde, incluindo ginecologistas e profissionais da atenção básica; sensibilização da população em geral e das mulheres em particular. O objetivo, segundo as propostas realizadas nos grupos focais, seria mostrar o preservativo como uma oportunidade para as mulheres de terem acesso a um novo produto para a sua proteção, ou seja, deslocando a ideia da prevenção específica das DST/aids para a possibilidade de promoção da saúde sexual e reprodutiva, o que exigiria uma articulação discursiva e operacional com gestores e profissionais da área de saúde das mulheres.
Do quantitativo de 20 milhões de preservativos adquiridos nesta compra de 2011, cerca de 11.609.500 foram distribuídos em 2012; 6.313.500 em 2013; e 2.074.000 em 2014. Entretanto, a estratégia de comunicação pretendida não foi desencadeada. Tampouco foram otimizados os processos de gestão no âmbito dos serviços e das secretarias municipais e estaduais de saúde necessários para garantir o acesso das mulheres ao preservativo feminino, e nem o monitoramento da oferta e uso do método. Não se sabe quais foram os elementos do processo decisório que orientaram a definição dos quantitativos distribuídos em cada ano, e sequer existe uma avaliação do impacto desta maior distribuição em 2012 e 2013.
Mudanças na orientação da política de Aids no país têm reduzido a priorização dada à incorporação do preservativo feminino ao leque de alternativas preventivas para mulheres. Do mesmo modo, mudanças nas prioridades da Área Técnica de Saúde da Mulher e na estratégia de operacionalização da atenção básica à saúde também têm contribuído para um crescente silêncio em torno do preservativo feminino. Entretanto, as vantagens do método são inegáveis, bem como o direito das mulheres de terem acesso a todo tipo de tecnologia que possa contribuir para a sua saúde. Como, então, reverter este quadro?
* Médica psiquiatra, doutora em medicina preventiva, livre docente em ciências sociais em saúde, docente do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Leia este e outros artigos no Boletim ABIA nº 60.