“Reflexões sobre a reposta brasileira à epidemia de AIDS” foi o tema da exposição de Richard Parker, diretor presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), no 8º Encontro Estadual de ONG AIDS Rio de Janeiro (EEONG). Organizado pelo Fórum de ONGS AIDS do Estado, o encontro reúne ONGS, redes e ativistas na luta contra a AIDS e principais coinfecções no Rio de Janeiro. O evento termina nesta sexta-feira (07/08).
Parker (na foto, à direita) concentrou sua exposição na busca de respostas para três perguntas centrais: 1) o que significa o recente anúncio sobre o fim da AIDS no mundo? 2) o que representam as novas conquistas biomédicas? e 3) se, de fato, a resposta comunitária ainda tem alguma importância?
O diretor-presidente da ABIA lembrou que até recentemente falava-se de uma epidemia fora de controle e agora adotou-se o discurso sobre o fim da epidemia. “Como avançamos em tão pouco tempo e qual é a realidade que nós vivenciamos todos os dias?”, pergunta Parker, lembrando que uma epidemia é construída tanto por verdades científicas quanto por discursos e ideologias. “Hoje enfrentamos o retorno do vírus ideológico que circula na mídia e nos discursos de forma perigosa. Antes de mais nada, é preciso entender a razão do retorno deste vírus ideológico”, pontua.
De acordo com ele, a ideia do fim da epidemia é uma história falsa porque não representa a verdade do dia a dia que vivemos. “Precisamos questionar os dados epidemiológicos divulgados a nível global e compará-los com as realidades das pessoas mais afetadas pela AIDS no seu cotidiano”, avalia.
Sobre o que representa as novas conquistas biomédicas, Parker afirma que pergunta está vinculada à promoção da ideia de uma nova era de respostas biomédicas que, supostamente, deveriam substituir as respostas sociais à epidemia. Para Parker, a prevenção biomédica reúne abordagens mais distintas do que se imagina.
De acordo com ele, há três categorias: 1) novas tecnologias em fase de desenvolvimento (vacinas e microbicidas na etapa de pesquisas), 2) tecnologias antigas que foram recicladas pelo enfrentamento da epidemia de AIDS (camisinha e circuncisão, esta última bastante utilizada na África, por exemplo) e 3) tecnologias já prontas, mas que ainda não estão disponíveis por questões de recursos e/ou questões políticas (uso do PrEP e PEP).
“A suposta unidade da prevenção biomédica é uma salada mista composta por diversas tecnologias e técnicas e não um conjunto unificado. É importante perceber que todas dependem de mudanças de comportamento profundas para serem aplicadas que, por sua vez, dependem de condições sociais e políticas para acontecerem na prática”, analisa Parker.
Testar e tratar
O diretor-presidente da ABIA fez também uma análise crítica sobre a política do testar e tratar: “É uma politica que faz sentido se estiver vinculada ao tratamento como prevenção no contexto de uma lógica que busca tratar e controlar a doença e minimizar a probabilidade de transmissão do vírus. Mas o que se faz com as pessoas testadas? Essa testagem vai garantir o direito humano dessas pessoas? Elas vão receber o apoio psicológico e médico? Como o SUS vai cuidar dessas pessoas soropositivas? São questões que precisam ser respondidas antes de se adotar a politica de testar e tratar”, defende.
A terceira e última pergunta central (se, de fato, a resposta comunitária ainda tem alguma importância?) nos leva à conclusão de que “é uma necessidade urgente de reafirmar a importância do conhecimento comunitário”. De acordo com Parker, é a avaliação da sociedade que garante o avanço biomédico que vai nos ajudar a enfrentar a epidemia. “A resposta comunitária ainda importa e continua sendo central. A expertise vem da comunidade e este é o conhecimento mais importante que existe”.
Parker finaliza afirmando que “as abordagens biomédicas não respondem sozinhas à epidemia, mas sim, ampliam as caixinhas de ferramentas. E nós queremos as metodologias biomédicas”. O problema é que precisam ser utilizadas de maneira que respeitem a autonomia e a produção do conhecimento das comunidades mais afetadas pelo HIV. “Sem isso, a promessa do fim da AIDS nada mais é do que uma falsa esperança”, sintetiza.