A Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) condena veementemente o anúncio de que o governo interino de Michel Temer vai tentar derrubar a proposta de descriminalização do porte de drogas que está em análise, desde o ano passado, no Supremo Tribunal Federal (STF).
As recentes declarações do ministro interino de desenvolvimento social, Osmar Terra, são mais uma lamentável constatação de que o Brasil está construindo uma ponte para o passado. E se concretizará num desastre para a resposta brasileira à epidemia do HIV e da AIDS. A segunda maior soroprevalência de HIV está na população usuária de drogas injetáveis.
O Brasil tem sido uma referência mundial tanto para países no âmbito do BRICS (Rússia, Índia, China), como para outros em desenvolvimento (tais como a Ucrânia) que também enfrentam altos níveis de transmissão do HIV através do uso de drogas injetáveis.
Até recentemente, fomos um exemplo para o mundo em razão do emprego de valiosas estratégias de redução de danos aplicadas pelos Programas de Prevenção ao HIV, às DSTs, incluindo a Sífilis Congênita e as Hepatites.
Foram marcantes, nos anos 90, os programas de prevenção na ótica da redução de danos em cidades como Porto Alegre (RS) e Santos (SP). Esses programas envolveram os próprios usuários nas ações de prevenção e, dessa maneira, buscaram integrá-los no contexto da cidadania e do respeito aos direitos humanos.
Lembramos que foram ações bem sucedidas na diminuição do potencial de transmissão do HIV nesta população e também do consumo de drogas. Em alguns casos, resultou no abandono completo da dependência, já que o usuário era inserido numa rede de apoio social e psicológico, assim como de defesa dos direitos humanos destas pessoas.
As estratégias brasileiras se reverteram na promoção da saúde e da cidadania das pessoas usuárias de drogas e injetáveis e foram fundamentais no enfrentamento da disseminação do HIV nessa população.
Insistimos que o problema do uso de drogas está mais próximo do contexto da saúde e dos direitos humanos e longe de ser um problema de polícia. O uso de leis criminais para resolver problemas de saúde pública não tem alcançado resultados efetivos.
Num país que enfrenta os desafios e consequências do crack e outras drogas em populações vulneráveis – entre elas a incidência de DST e outras doenças infecciosas – a criminalização da população usuária de drogas, só marginalizará ainda mais esta população, afastando-a de qualquer possibilidade de inclusão em estratégias de atenção.
Para nós, da ABIA, as declarações do ministro prestam um desserviço à saúde pública brasileira, pois incentiva as práticas de exclusão e reforça o estigma, o preconceito e a discriminação à uma população já extremamente vulnerabilizada em nosso país.
Rio de Janeiro, 10 de junho de 2016
Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS