A ABIA vem a público se manifestar sobre as Campanhas de Carnaval 2015, divulgadas pelo Ministério da Saúde, no âmbito federal, e pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, no âmbito municipal, junto com a Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual (CEDS-RIO). Entendemos que a abordagem adotada pelo governo federal – que exibe um casal gay num ambiente casual, demonstrando coerência com os últimos dados epidemiológicos – é interessante, sobretudo, por estar acompanhada de peças esclarecedoras sobre novas formas de prevenção.
Destacamos que esta campanha aborda a perspectiva da prevenção combinada, que consiste no uso combinado de diferentes métodos de prevenção – estratégia, aliás, apresentada pioneiramente no Brasil, há cerca de cinco anos, pelo Grupo de Incentivo à Vida (GIV) e pela ABIA. Entendemos que essa abordagem do Ministério da Saúde é significativa, precisa ser amplamente divulgada, ter materiais específicos disponíveis e ser veiculada durante todo o ano e não apenas no carnaval.
A ABIA acredita que a informação – àquela que não faz julgamentos morais quanto ao número de parceiros, orientação sexual, barebacking e situações diversas que não incluam o uso do preservativo – é a base para criação de qualquer estratégia de prevenção efetiva – como foram as campanhas brasileiras de resposta à AIDS no passado.
Os dados epidemiológicos do Ministério da Saúde revelam que o número de jovens HSH (homens que fazem sexo com homens) infectados com HIV cresceu nos últimos oito anos. Isso ressalta a importância do retorno de informações cada vez mais objetivas e capazes de respeitar as diversidades, sobretudo, entre os jovens HSH.
Embora seja inovadora a criação de perfis nos aplicativos conhecidos como Tinder e Hornet – utilizados pelos jovens gays para encontros sexuais – a estratégia reproduz a lógica do mantra da camisinha e apresenta uma visão estigmatizante sobre a prática do barebacking. A ABIA acredita que o mantra “use camisinha” não consegue alcançar boa parcela da sociedade.
Faz-se necessário que a população tenha acesso às informações sobre as mais variadas formas de prevenção. O respeito às diversidades deve ser ponto central na estratégia de prevenção, tanto no campo das sexualidades, quanto na perspectiva do prazer sexual e do gozo.
Na contramão da campanha do Ministério da Saúde, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro e a Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual (CEDS-RIO)– que também lançaram recentemente uma campanha de carnaval local – afirmam que a “Aids não tem cura”. Abordagens deste tipo, que visam incentivar a prevenção por meio do terror, não são efetivas e geralmente afastam ainda mais os jovens. Para nós, da ABIA, uma campanha que adota essa perspectiva está fadada ao fracasso e configura-se num grande retrocesso, com impactos negativos na adesão ao tratamento.
A ABIA está surpresa com uma estratégia no âmbito municipal que fortalece o terror, o medo e a falta de perspectivas para quem hoje vive com o HIV e a AIDS. Depois de 20 anos de progresso no tratamento da AIDS e perspectivas positivas da ciência sobre a possibilidade da sua eventual cura, é trágico ver a Prefeitura do Rio de Janeiro promover um retrocesso de décadas nas campanhas de prevenção, voltando a condenar a morte as pessoas vivendo com o HIV e ignorando a realidade da AIDS como uma doença controlável com acesso ao tratamento e serviços de saúde de qualidade. Somente quando o poder público é omisso e não assume sua responsabilidade, a AIDS pode ser uma sentença de morte.
Neste sentido, reafirmamos que a política de prevenção brasileira, seja no âmbito municipal, estadual ou federal, deve ser pautada na valorização das diversidades, de práticas prazerosas e conscientes, e no rompimento de quaisquer estigmas e preconceitos associados às pessoas vivendo com HIV e AIDS.
Reafirmamos veementemente que o sucesso de uma política de prevenção brasileira, seja no âmbito municipal, estadual ou federal, dependerá da valorização da perspectiva da prevenção combinada, da visibilidade e da valorização da diversidade sexual e humana e da democratização do acesso à informação, sem promoção do terror ou de princípios punitivos às pessoas que assumem suas práticas e desejos. E que essas pessoas possam ter acesso à informação e aos métodos de prevenção, segundo suas preferências.
Rio de Janeiro, 13 de fevereiro de 2015
Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS