A Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA) repudia veementemente as graves violações de direitos protagonizadas por policiais civis contra quase 200 prostitutas, frequentadores e moradores de um prédio em Niterói, no último dia 23 de maio. Durante a invasão, realizada por policias sem mandado, ocorreram agressões, roubos e estupros relatados pelas prostitutas que configuram abuso de poder da força policial.
Após serem humilhadas, essas mulheres foram presas e levadas à 76ª Delegacia para averiguação. É intolerável que, no ano em que se relembra os 50 anos da ditadura militar, esta tática da averiguação, comum durante aquele período obscuro, seja utilizada nos dias atuais.
Repudiamos ainda o arrombamento e interdição ilegal dos apartamentos em Niterói, local de trabalho dessas mulheres. Este ato viola o direito de trabalhadoras autônomas exercerem a atividade profissional do sexo livremente. Essas mulheres estão neste momento sem um local para trabalhar e morar.
A ABIA entende que esta operação ilegal faz parte do alargamento dos processos de “limpeza urbana” que inicialmente tiveram a Copa do Mundo como pretexto. O Brasil está entre os países que mais cometeram violações dos direitos humanos durante os preparativos para o mundial.
Chamamos atenção para que a Copa do Mundo e as Olimpíadas não sejam argumentos políticos para instalar um pânico moral no país entorno da prostituição. Executar leis contra a exploração sexual de crianças e adolescentes e o tráfico de pessoas não pode servir de pretexto para repressão do trabalho sexual adulto e consensual.
Lembramos que a prostituição é devidamente legalizada e reconhecida, desde 2002, na Classificação Brasileira de Ocupações, do Ministério do Trabalho e Emprego. A prostituição não é crime no Brasil. Qualquer pessoa maior e capaz pode, livremente, se prostituir, assim como toda pessoa em igual condição pode utilizar esse serviço, pertencente à esfera íntima dos/as envolvidos/as.
A criminalização dessas profissionais, além de configurar perseguição e violações de múltiplos direitos, potencializa as condições de vulnerabilidade dessas mulheres, com destaque para o HIV e a AIDS. Segundo estudos divulgados pela Organização Mundial de Saúde em parceria com o Banco Mundial, há relações significativas entre a criminalização da prostituição, as violações dos direitos, o sexo desprotegido e a infecção pelo HIV.
Onde o trabalho sexual é criminalizado, a resposta ao HIV tem sido frustrada e limitada por forças estruturais que incluem o estigma, a discriminação e a violência física. A ABIA, em parceria com a Ong Davida e com o Observatório da Prostituição da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), realiza um mapeamento das violações dos direitos dessas profissionais no país com o propósito, entre outros, de fortalecer o enfrentamento da epidemia do HIV e da AIDS.
No Dia Internacional das Prostitutas, a ser comemorado no próximo dia 2 de junho, a ABIA se soma às vozes que clamam por justiça para as profissionais do sexo que sofreram violações de direitos em Niterói e em outras cidades. Exigimos que o Estado brasileiro implemente políticas públicas que garantam a promoção de direitos e proteção das prostitutas como trabalhadoras – e não como vítimas –, bem como o fim do abuso, da repressão, da discriminação e outras formas de violência contra essas profissionais.
Rio de Janeiro, 29 de maio de 2014