A ABIA vem se manifestar sobre a recente polêmica envolvendo a prática do barebacking no país. Inicialmente é necessário considerar duas garantias básicas:
1) Todas as pessoas podem e tem o direito de viver suas sexualidades no sentido que considerarem mais prazerosos;
2) Ninguém deve ter violado o direito à algum tipo de prevenção, seja pelo Estado, por indivíduos ou instituições, independente de sua sorologia para HIV.
Pessoas comentem as mais diversas barbaridades e violações de direitos no mundo diariamente, independente de serem (ou não) soropositivas. Assusta a qualquer um a rotulação de todo um grupo de pessoas associadas a uma situação criminosa específica qualquer. Seja por ser negro, soropositivo, homossexual, evangélico, umbandista, judeu, índio, mulher, trans, lésbica, travesti, etc. A subjetividade humana deve ser respeitada em suas mais variadas expressões. Associar um grupo inteiro a um atributo pejorativo ou até mesmo criminoso é uma situação muito perigosa capaz de gerar estigma e discriminação a grupos vulneráveis.
Entendemos que os praticantes de barebacking, serosorting (escolha do parceiro em função do estado sorológico) ou qualquer outra forma de prazer consentido, necessitam ter acesso à informação e às políticas públicas de prevenção. Com a experiência adquirida no decorrer de quase 28 anos de enfrentamento do HIV no país, a ABIA acredita que a política de prevenção se fortalece sempre que os argumentos morais e criminalizantes são afastados das políticas de saúde.
A polêmica em torno da prática de barebacking retrata também a importância da inclusão e do acesso à Profilaxia Pré Exposição (PrEP) na prevenção da saúde brasileira. Estudos internacionais, realizados com a participação do Instituto de Pesquisa Evandro Chagas (IPEC/Fiocruz-RJ), sinalizam a efetividade do uso da medicação antirretroviral antes da relação sexual. Este método é extremamente útil na diminuição da infecção pelo HIV. As evidências atuais do uso da PrEP serviram também de base para aOrganização Mundial de Saúde (OMS) indicar este método como estratégia para prevenir a infecção pelo HIV em populações chaves.
Faz-se urgente que a prevenção combinada – ou seja, o acesso à camisinha masculina e feminina, à Profilaxia Pós Exposição (PEP),ao tratamento como prevenção e à PrEP esteja disponível no SUS.
A sociedade pode dar uma grande contribuição ao pleitear cada vez mais a introdução dessas novas formas de prevenção nas políticas públicas de saúde e o acesso a informação e à prevenção combinada – seja nos meios de comunicação de massa ou instituições públicas e privadas.
Faz-se urgente que informações sobre a prevenção sejam transmitidas sem olhares culpabilizantes e discriminatórios, seja para os praticantes de barebacking, seja para as populações mais afetadas pela epidemia, seja para as que não utilizam preservativo em suas relações sexuais e queiram optar por outros métodos de prevenção ao HIV. Nós, da ABIA, defendemos que todos estejam livres de estigmas e julgamentos em função de sua forma de experimentar a sexualidade e o prazer sexual.
Ressaltamos alguns princípios fundamentais da ABIA e do movimento social mais amplo, recentemente citados por Richard Parker, diretor presidente da instituição, em Histórias de Luta Contra a AIDS, publicado recentemente pelo Ministério da Saúde:
* O respeito à diversidade em relação às comunidades e populações afetadas pela epidemia;
* A necessidade de garantir a cidadania das pessoas que vivem com HIV e das que estão vulneráveis à infecção;
* O direito à saúde para todos os cidadãos brasileiros como subjacente a qualquer resposta significativa à epidemia.
Advertimos que toda vez que a política de prevenção perde fôlego – seja por falta de priorização, seja por argumentos morais – as infecções por HIV vão crescer. Sexo sem preservativo é uma realidade mundial, seja pelo prazer, pelos direitos reprodutivos das pessoas, etc. O direito de escolher alguma forma de prevenção deve ser dado à população, pela via de informações claras, sem moralismos e disponibilidade de acesso ao tipo de prevenção que lhe for mais conveniente.
Por fim, reafirmamos que todas as pessoas devem ter garantidos os direitos sexuais e de liberdade de expressar a sexualidade na forma que lhe for mais conveniente, sempre respeitando os direitos das outras pessoas. Ressaltamos também que todas as relações sexuais devem ser consentidas e estar livres de julgamentos morais que não correspondam à diversidade humana.
Rio de Janeiro, 09 de fevereiro de 2015
Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS