Novos horizontes, novos desafios
No dia 1º de dezembro, o governo federal lançou a Campanha do Dia Mundial de Luta contra a AIDS com foco no público jovem. A nova campanha traz um vídeo construído numa linguagem apropriada para atingir este o público e usa como estratégia a gíria “#partiu teste”. Além deste vídeo, também foi lançada a animação “História Ilustrada da AIDS”, reconhecendo a importância da participação social e de militantes, dentre eles Herbert de Souza, o Betinho, e o destaque para a ABIA como primeira organização com um soropositivo em sua presidência da América Latina. O Ministério da Saúde anunciou também outras ações significativas como a criação do Fundo Posithivo, campanhas voltadas para jovens gays e travestis e manual para orientar peritos da Previdência Social.
A campanha, no geral, é esteticamente bem feita e com uma leve retomada da perspectiva que o Brasil teve no passado, quando foi possível ver um compromisso com os direitos sociais e humanos, abordando diversidades. Reconhece o conjunto da trajetória da militância ao apresentar uma interessante linha histórica na animação. Entretanto, no vídeo voltado para jovens, mesmo com uma abordagem da diversidade, apresenta pontos críticos: 1) ao colocar a homossexualidade como uma escolha; 2) e ao apresentar baixa participação de jovens negros e negras como protagonistas.
Embora essa campanha com o foco no público jovem tenha, segundo o Ministério da Saúde, adotado como estratégia “prevenir, testar e tratar”, ela apresenta o foco na testagem – muito bem associada ao autoconhecimento e apoio à adesão ao tratamento. As peças, no entanto, deixam a desejar na abordagem da prevenção, especialmente pela pouca alusão ao leque de possibilidades que compõe a prevenção combinada.
Uma medida que também merece atenção e mais participação social na sua construção, é a esperançosa criação do Fundo Posithivo, com a meta de arrecadar recursos da iniciativa privada para parcerias estratégicas com Organizações da Sociedade Civil.
Também queremos tecer um comentário sobre a resposta do Secretário de Vigilância em Saúde, Jarbas Barbosa à pergunta da Globo News sobre os fatores explicam o crescimento das taxas de infecção entre jovens gays. Nessa oportunidade o Dr. Jarbas afirmou que um fator importante seria o número de parceiros sexuais. Sem dúvida o número de relações sexuais é um relevante na análise epidemiólogica da transmissão do HIV e se aplica aos muitos grupos populacionais e não apenas a jovens homens que fazem sexo com homens, ou jovens gays. Além disso, há outros fatores ou contextos de vulnerabilidade ao HIV, como as desigualdades social e racial. As taxas de infecção entre pessoas que tem muitos ou muitas parceiras sexuais serão reduzidas sempre que esses grupos tenham acesso a informações e estratégias de prevenção adequadas.
Ao singularizar a multiparceria, a resposta do Dr. Jarbas responsabiliza o comportamento individual pelo crescimento da infecção entre jovens gays, minimizando o peso dos determinantes sociais da epidemia e, sobretudo, mascarando os déficits e retrocessos registrados em anos recentes no campo das estratégias de prevenção. Sempre que a política de prevenção perde fôlego – seja por falta de priorização, seja por argumentos morais – as infecções por HIV vão crescer. Não importa com quem, nem com quantos, mas sempre com alguma proteção.
Lembramos que se faz necessário resgatar o sucesso do enfrentamento à epidemia com a ampliação da participação da sociedade em canais efetivos de diálogos, para contribuir na construção das diversas ações do governo: manuais, protocolos e as campanhas anunciadas – que serão abordadas durante o ano, assim como para a construção do anunciado material para jovem gay e travestis. Faz-se necessário informar às populações – especialmente mais afetadas pela epidemia – sobre a PEP (profilaxia pós exposição) – disponível pelo SUS e pouco conhecida.
A ABIA acredita ser urgente a implantação de estratégias para a garantia do acesso à testagem com aconselhamento pré e pós teste (incluindo informações sobre todas as tecnologias de prevenção), mas também ao tratamento nos serviços de saúde (que lamentavelmente tem sido um grande problema na política de AIDS no Brasil – desde a dificuldade de agendar consultas à falta de medicamentos). Essas ações são urgentes na medida em que se cria um aumento da demanda pela testagem nos serviços.
A ABIA também acredita que uma campanha que utiliza os meios de comunicação de massa deve vir acompanhada de um trabalho continuado e contextualizado de prevenção no campo/na rua e com os resultados da prevenção entre pares, que “traduzem” as informações científicas, que geram reflexões capazes de tornar as escolhas mais orientadas. A efetividade ou não de uma campanha é o seu alcance junto ao público mais vulnerável.
Assim, a ABIA reforça que a construção coletiva das políticas com participação da sociedade é a base para o efetivo resgate dos tempos em que o Brasil foi referência internacional na luta contra a AIDS. Uma campanha, mesmo que ocorra durante todo o ano – como anunciado, não basta se não vier acompanhada de um trabalho mais contínuo, nas bases da sociedade, e com os grupos mais vulneráveis. Nesse momento de retomada se faz necessário trabalhar a valorização da diversidade social, cultural e religiosa do nosso país em todas as ações do governo.
Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS
Rio de Janeiro, 05 de dezembro de 2014