As experiências de acesso à saúde encerraram o ciclo de debates que vem sendo organizado pela ABIA desde março de 2019 nas cidades do Rio de Janeiro e Porto Alegre por meio do Seminário de Capacitação em HIV – Aprimorando o Debate III. O tema central desta 4ª edição, realizada em Porto Alegre, foi “Assistência e Linhas do Cuidado”. Durante os quatro encontros, a instituição selecionou cerca de 80 bolsistas das regiões Sul e Sudeste. De acordo com a organização, contudo, os seminários alcançaram todas as regiões do país. As edições contaram com transmissão ao vivo e estão disponíveis online na página oficial da instituição.
Nesta 4ª edição, a mesa sobre “Linhas de Cuidado” fechou a tarde de 22/08 e contou com as participações de Pedro Villard (GTPI/ABIA), Ricardo Kuchenbecker, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Sandra Filgueiras, da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro e Heliana Moura, do Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA-UAI), em Belo Horizonte (MG). A facilitadora foi Nalu Both, da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul. Durante todos os dias em Porto Alegre, o ativismo cultural antecipou o debate. No último dia, os participantes receberam as luxuosas participações da poetisa Atena Beauvoir – que trouxe como convidado especial, o rapper Well MC – e do poeta Ramon Nunes Mello.
Após o ativismo cultural, Pedro Villardi, do GTPI/ABIA, iniciou o debate enfatizando que tanto no acesso a medicamentos quanto na linha do cuidado para as pessoas que vivem com HIV/AIDS, as patentes geram um gasto excessivo e desnecessário para o Sistema Único de Saúde (SUS). Estes gastos irão fazer falta em algum lugar gerando um risco injustificável à saúde pública. “As patentes são a expressão mais crua do neoliberalismo, que é na prática a transferência dos recursos da maioria mais pobre para a minoria mais rica, e essa arquitetura da impunidade permite que depois de 20 anos, o congresso brasileiro ignore que a lei de patentes, ao contrário do que prometeu, não tenha conseguido promover o acesso a medicamentos no país”, afirmou.
Ricardo Kuchenbecker trouxe informações contundentes. Afirmou, por exemplo, que nestes mais de 30 anos de epidemia, há cerca de 20 anos o diagnóstico no Rio Grande do Sul é preocupante. Segundo ele, pouco tem sido feito nas políticas públicas para reverter este quadro. “A meta 90-90-90 e o monitoramento clínico não são suficientes para a resposta à epidemia no Rio Grande do Sul”, atestou. “O estado do Rio Grande do Sul é o maior foco epidêmico do Brasil. Enquanto o Brasil tem uma taxa de 19,1% e a região Sul exibe 27,9% de novas infecções, o Rio Grande do Sul tem uma taxa de 34,7%)”, denunciou.
Já Sandra Filgueiras provocou uma reflexão sobre o modo como o profissional de saúde acolhe os pacientes. ” Será que a crença numa atitude modeladora do outro abre espaço para a sexualidade”, questionou, antes de apresentar as experiências das equipes no Consultório na Rua. Helia Moura fez um depoimento contundente em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres que vivem com HIV.
Acesso à saúde
A mesa que encerrou o ciclo de debates organizados em 2019 pela ABIA tratou das “Experiências de acesso à saúde”. O público ouviu as vivências dos ativistas a partir dos projetos locais. A mediação foi da Carla Diana, da Articulação Nacional do Movimento de Luta Contra a AIDS (ANAIDS).
Jorge Beloqui, do Grupo de Incentivo a Vida (GIV-SP), por exemplo, enfatizou que as linhas de assistência devem empoderar a pessoa vivendo com HIV/AIDS e incentivar maior autonomia ao longo do tratamento. E lembrou que os efeitos colaterais do Efavirenz (diarreias, náuseas, calafrios, dores de cabeça, alterações de humor, dentre outros) motivou um grupo de jovens (Loka de Efavirenz) a pautar dos direitos das pessoas que vivem com HIV/AIDS.
Felipe Fonseca, do GTPI/ABIA, por sua vez, reforçou sobre a importância das ações de rua e das manifestações organizadas pelo grupo, que é coordenado pela ABIA e reúne diversas organizações da sociedade civil, movimentos sociais e especialistas ligados ao tema da propriedade intelectual e acesso à saúde no Brasil. O destaque foi o protesto realizado em frente ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), pelo indeferimento da patente do medicamento sofosbuvir, usado no tratamento da hepatite C, para a gigante farmacêutica Gilead Sciences .
“Nesta mobilização focamos no uso da imagem. Fizemos, por exemplo, um cabo de guerra para simbolizar o interesse das farmacêuticas, que é o lucro, o dinheiro. A saúde e o bem estar das pessoas que dependem deste medicamento não tem sido colocado em questão. Usamos essa representação e deu certo por que essas imagens circulam até hoje na imprensa sempre que surge essa pauta do sofosbuvir e de patentes de medicamento”, contou.
Em seguida, Laylla Monteiro falou da sua experiência como agente comunitária trans no Laboratório de Pesquisa Clínica em DST/AIDS do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (LaPClin-Aids/INI), onde atua na promoção de serviços de saúde para mulheres trans e travestis do Rio de Janeiro, com ênfase na prevenção e no tratamento do HIV/AIDS. Entre as iniciativas, Monteiro citou o “Projeto Transcender”, o 1º estudo exclusivo para travestis e mulheres trans do Rio de Janeiro, e o “Projeto PrEParadas” que acompanhou o uso do Truvada entre a população trans e avaliou, entre outros temas, sobre a interação entre os hormônios e a PrEP.
Neusa Heinzelmann, do Coletivo Femininos Plurais, que atua em Porto Alegre, mencionou algumas das ações voltadas para o enfrentamento da violência contra mulher, a mobilização pelos direitos sexuais e reprodutivos e assistência em saúde para mulheres na interface da prevenção do HIV/AIDS, entre outras iniciativas. “Em todas as nossas ações, procuramos escutar as mulheres e fazer com que se apropriem da discussão, trabalhando com questões referentes ao dia a dia delas, a partir das experiências que elas nos passam. A saúde não pode ser trabalhada sozinha, tem que estar associada à assistência e também à segurança”, pontuou.
As edições organizadas pela ABIA em 2019 apresentaram ainda os seguintes temas: “ONGs, Sociedade Civil e Mobilização Social”, “Desafios da prevenção do HIV/AIDS e das ISTs na quarta década de epidemia” e “Estigma, Pânico Moral e Violência Estrutural”. As realizações alternaram-se entre Rio de Janeiro e Porto Alegre. O Seminário de Capacitação em HIV – Aprimorando o Debate III é uma ação da área de Treinamento e Capacitação da ABIA.
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Reportagem: Maria Lucia Meira (estagiária) e Angélica Basthi
Colaborou: Yusseff Abrahim (GTPI)
Edição e supervisão: Angélica Basthi