Negro, branco, moreno, indígena, miscigenado. Estas e outras formas de identificação racial fazem parte do repertório brasileiro e junto com elas, surge a identidade LGBT. Mas em meio a tanto preconceitos, como é construída a identidade o Afro LGBT? Essa foi a pergunta que gerou o debate da “Roda de conversa Afro LGBT’s: Racismo, LGBTfobia e Guetos”, na sede da ABIA.
As situações de racismo que as pessoas negras que vivem com HIV e AIDS enfrentam na rede de saúde pública foi um dos temas da noite. De acordo com o jovem Lázaro Silva, há uma diferença no atendimento às pessoas negras que vivem com HIV. “A infecção continua atingindo a maioria das pessoas negras e estas são as menos assistidas no Sistema Único de Saúde (SUS) ”, denunciou. Além disso, Silva destacou o peso e o estigma enfrentados por este grupo. “Se o gay assume uma identidade mais afeminada há um sofrimento duplo, pois o padrão é ser branco. Então ser negro e afeminado é muito complicado”, desabafou.
Já para Marcos Furtado, vivência é a palavra chave. Furtado é negro, gay, morador da Baixada Fluminense (RJ) e ex-pregador evangélico que por diversas vezes viu-se silenciado em casa pela própria mãe. O jovem também enfrentou o silenciamento na universidade onde estuda na Barra da Tijuca (RJ). Diante de tais experiências, defende que a vivência é central para dar ênfase ao lugar de fala das pessoas que, em geral, não tem visibilidade. “As cicatrizes são muito fortes e é preciso que o outro ouça sua história para que compreenda o que você tem a dizer”, afirmou.
Outro participante, Andrey Chagas, destacou ser importante o diálogo permanente com as pessoas brancas. “ O branco tem que estar aqui para ouvir o quanto as atitudes deles colaboram para o racismo. E assim possam se conscientizar que o que pode parecer uma leve brincadeira, para nós não é.”
O jovem ativista de Belford Roxo Jean Vinícius também aposta na resolução dos conflitos. “Há uma série de conflitos e tudo está ligado a empatia e com coisas que diretamente não sou afetado. Se uma pessoa é branca e quer falar de racismo para quem é negro – e portanto, não está vivendo a experiência – devo criar mecanismos para suscitar empatia nesta pessoa de forma que compreenda a minha existência e entenda o Outro”, avaliou.
Performance
A noite ganhou duas performances marcantes. A primeira foi a encenação teatral de Reginaldo Guimarães, da Oficina de Teatro Expressionista (OTE), que acontece semanalmente na ABIA. Guimaraes construiu um prelúdio sobre a realidade de um jovem vulnerável e morador de rua que perpassa pela falta de visibilidade, fala e existência. A outra performance foi protagonizada pela atriz e travesti Biancka Santos com um texto autoral sobre a lesbofobia e racismo.
Para o organizador e mediador do debate, Vagner de Almeida, coordenador do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens, não podemos dar margem à competição de quem sofre mais que o outro. “Se a gente acha que nossa dor é maior do que quem está do nosso lado, a coisa vira um campo de vitimização e as nossas lutas se silenciam, pois assim a sociedade dominante deseja que as pessoas sem vozes perpassem por esse sistema em silêncio. Se fazer presente com as nossas lutas, necessidades e vontades é o caminho de sermos o que desejamos ser. A sociedade dominante é perversa e muito classista”, alertou.
A Roda de Conversa “Afro LGBT’s: Racismo, LGBTfobia e Guetos” foi mais uma ação positiva do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens da ABIA com apoio da MAC AIDS Fund.
Texto: Jean Pierry Oliveira e Jessica Marinho. Edição: Angélica Basthi