O Hospital São Francisco de Assis na Providência de Deus (antigo Hospital Venerável Ordem Terceira da Penitência), localizado na Tijuca (RJ) – que fechou recentemente o atendimento às pessoas com HIV e AIDS em razão da crise financeira do Estado – embora oferecesse um ambulatório modelo, não era para o acesso de todos com equidade.
A denúncia é do médico e assessor de projetos da ABIA, Juan Carlos Raxach. “Infelizmente, apesar de referência, o serviço apresentava problemas no acesso. Não oferecia a entrada no serviço com equidade. Somente conseguiam atendimento as pessoas que eram indicadas por organizações-chave e conseguiam a autorização do Estado. Temo que isso se repita no Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Rio (Iaserj)”, alerta Raxach.
O propósito do Sistema Único de Saúde (SUS) é universalizar o atendimento da saúde para todos/as os/as brasileiros/as. O sistema também permite a criação de convênios com clínicas e hospitais particulares. A ausência de equidade no acesso ao ambulatório de HIV/AIDS no Hospital São Francisco de Assis é um exemplo da vulnerabilidade nos serviços oferecidos por estas redes, o que reforça a importância da qualificação e ampliação da rede serviços próprias do SUS.
O aposentado e ex-presidente da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/RJ, William Amaral, 50 anos e há 29 vivendo com HIV, confirma que desde que o ambulatório começou a funcionar (em 2013), o antigo Hospital Ordem Terceira agia dessa maneira. “O ideal seria que todas as pessoas fossem atendidas, mas na prática não era assim. Não acredito que o Iaserj conseguirá mudar isso. Acho que já será uma grande vitória se manter os pacientes da Ordem no novo local”, afirma Amaral.
Temor
As pessoas que vivem com HIV e AIDS que conseguiram ser atendidas no antigo laboratório hoje temem se o novo local (Iaserj) terá capacidade para manter um serviço semelhante.
O ator e ativista Cazu Barroz, 43 anos e há 26 vivendo com o HIV, foi convidado pela Secretaria Estadual de Saúde para visitar o Iaserj no dia da transferência (01/09) e achou o local menor do que o anterior. Para ele, o Estado dificilmente conseguirá atender com qualidade aos mais de 700 pacientes que faziam tratamento no Hospital São Francisco.
Barroz está profundamente angustiado com esta possibilidade. “O dinamismo e a qualidade do atendimento do ambulatório na Tijuca foram os responsáveis por eu estar hoje vivo”, desabafa. Em 2015, foi diagnosticado com meningite em decorrência de um herpes zoster contraído no cérebro. “Passei por vários hospitais na ocasião e só consegui ser atendido lá no antigo Ordem Terceira. Eu me sinto na fila da morte. E não é a doença que está matando as pessoas que vivem com HIV, é o Estado”, lamenta.
M.O., 36 anos e diagnosticado há sete – e que prefere não ser identificado – informa que, em razão da cobertura do plano de saúde, já passou por vários serviços oferecidos em hospitais particulares. Em 2015, após o fim da cobertura, procurou o Serviço de Atendimento Especializado de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. No mesmo ano, passou a ser atendido no Hospital São Francisco.
“A diferença entre os serviços era espantosa. No ambulatório, encontrei mais respeito pelo paciente e maior acesso a outras especialidades. Infelizmente, nos últimos meses, já dava para perceber que o ambulatório caminhava para o fechamento”, lamenta.
Para ele, o fechamento do serviço na Tijuca foi impactante para as pessoas que vivem com o HIV. “Foi uma ruptura muito brusca. A princípio, disseram que entrariam em contato para remarcar os serviços, mas até agora nada. A gente tem que ir e procurar. Isso acaba trazendo um imenso transtorno. Nos sentimos desamparados…”.
Para onde vamos?
Para o aposentado Amaral, o Estado precisa olhar para todas as pessoas vivendo com HIV e AIDS e também para as necessidades de quem vive com o vírus no decorrer dos anos. “Mas, infelizmente, com os retrocessos e cortes no orçamento, especialmente no campo da saúde, a situação só tende a piorar”, diz.
Raxach também lamenta o cenário incerto e acredita que a situação é um alerta do que está por vir. “Será que esse serviço vai continuar se mantendo com a crise do Estado, com falta de recursos?”, questiona. O médico e assessor de projetos da ABIA lembra que a atual crise não é a única responsável pelos problemas que afetam a saúde. “A má gestão e a falta de diálogo entre município e Estado para uma resposta integrada são dois fatores importantes e que precisam ser considerados. Precisamos fazer um levantamento urgente dos serviços disponíveis e do acompanhamento do acesso e da qualidade de serviços para as pessoas que vivem com HIV e AIDS”, reconhece.
Em reportagem publicada na página da Secretaria Estadual de Saúde, o secretário de Estado de Saúde, Aluísio Teixeira Jr, informou que a transferência dos pacientes do Hospital São Francisco para o Iaserj é uma medida para continuar a oferecer atendimento adequado para os pacientes. Ainda de acordo com a reportagem, 80% dos pacientes atendidos pelo ambulatório HIV/AIDS são moradores do município do Rio de Janeiro. Estima-se que hoje cerca de 65 mil pessoas estejam em tratamento de HIV/AIDS no estado.