A pedagogia da prevenção foi o tema da mesa de encerramento do 3º Seminário de Prevenção ao HIV- Aprimorando III que teve como foco a “Prevenção das ISTs/AIDS: novos desafios na quarta década da epidemia”. O encontro foi realizado pela ABIA entre os dias 26 e 27 de junho, no Scorial Hotel, localizado no Flamengo (RJ), e reuniu profissionais da saúde, pessoas vivendo com HIV/AIDS, ativistas e pesquisadores. O objetivo foi discutir os diversos aspectos da epidemia de HIV/AIDS no Brasil com foco nas questões comportamentais e sociais que impactam na prevenção do vírus e das demais infecções sexualmente transmissíveis.
O termo, que remete as lições do educador e pedagogo Paulo Freire, tem como objetivo reconhecer a importância do saber comunitário e do protagonismo das populações afetadas nas ações de prevenção e no enfrentamento à epidemia de HIV/AIDS e das ISTs. A mesa teve a participação de Juan Carlos Raxach, médico e coordenador da área de promoção da saúde e prevenção da ABIA; Eliane Pasini, doutora em ciências sociais e ativista feminista; e Rafael Sann , representante da Rede de Jovens e Adolescentes Vivendo e Convivendo com o HIV/AIDS de Minas Gerais. A mediação foi feita pelo frei Jose Bernardi da Casa Fonte Colombo, da Pastoral da AIDS de Porto Alegre.
Prevenção combinada
Abrindo as discussões, Raxach apresentou a dinâmica “Rio das Prevenções” sobre prevenção combinada. Na atividade, o médico utiliza a simbologia de um rio para discutir os percursos e situações diversas na vida de uma pessoa, de modo a conhecer melhor a realidade do participante e entender suas escolhas em relação à prevenção. A dinâmica também perpassa a história dos métodos preventivos e aborda temas como a abstinência sexual, o uso da camisinha masculina e feminina – atualmente chamadas, respectivamente, de camisinha externa e interna – a criação dos conceitos de “sexo seguro” e “sexo mais seguro” e as profilaxias pré e pós exposição. “A partir desse levantamento, é possível entender quais os desafios da prevenção, as dificuldades e questões de cada método, o que pode ser aprendido e aprimorado, bem como compreender os limites da prevenção para cada pessoa”, pontuou Raxach.
Para o médico, a prevenção combinada também pode ser abordada sobre o viés: estrutural e comportamental. O conceito deve ser entendido como um processo e, portanto, não é igual para todos e leva tempo. Raxach mencionou que algumas pessoas precisam ser acolhidas, outras já chegam decididas e mais abertas sobre sua sexualidade “Assim cada pessoa vai construindo e decidindo o que cabe melhor na sua vida naquele momento. É preciso sair do biomédico e fazer um trabalho político, de conhecimento. Se não entendermos os problemas estruturais que impactam na prevenção não vamos conseguir sequer garantir o acesso a essa gama de ferramentas” disse.
Mulheres e Prevenção
A ex-assessora técnica, do então Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/AIDS e das Hepatites Virais (DIAHV), do Ministério da Saúde, Eliane Paisini, denunciou haver uma resistência dos profissionais da área da saúde em divulgar, disponibilizar e esclarecer sobre o uso do preservativo feminino às mulheres. “O preservativo feminino é uma estratégia a mais na prevenção combinada, mas há uma certa resistência dos profissionais de saúde em divulgar, ofertar e esclarecer sobre ele para as mulheres. Há um senso comum de que as pessoas não gostam e não vão usar mas a verdade é que a maioria das pessoas sequer conhece a camisinha feminina. Como vou saber se eu não gosto, se eu nunca experimentei? Como experimentar se eu sequer conheço ou sei como utilizar a PF”, questionou.
Pasini também frisou sobre as desigualdades de gênero estruturais que impactam na baixa adesão, e pouca divulgação do método. “Quando falamos no preservativo feminino, ou vaginal, estamos falando de um corpo, o corpo feminino que carrega consigo um tabu enorme sobre se descobrir, se tocar, se permitir ao prazer sexual”, afirmou. Ela lembrou que as mulheres enfrentam diversos fatores e contextos de vulnerabilidades, como violência de gênero/sexual, machismo, pobreza, racismo, entre outros fatores, que impõem barreiras no acesso à saúde.
Jovens e o HIV
Já Rafael Sann, coordenador da Rede de Jovens Vivendo e Convivendo com o HIV de Minas Gerais, relatou sobre as experiências vivenciadas pelos jovens ao se descobrirem infectados. “A primeira coisa que o jovem sente é que ele é um vetor, um vetor de um vírus terrível, pois o HIV ainda é muito estigmatizante. Por isso chegam com muitas dúvidas tais como se ainda vão poder se relacionar sexualmente, namorar, enfim, ter uma carreira profissional. A imagem do HIV ainda é o Cazuza na capa da Revista Veja”, afirmou.
Rafael aposta no respeito a autonomia dos jovens e o resultado dessa atuação política tem ficado cada vez mais evidente: “A partir do momento que a gente empondera e capacita o jovem, ele se apropria sobre o tema e passam a querer falar sobre isso e se articular coletivamente: Temos dois jovens já que criaram ONGs em seus munícipios, um deles, em Juiz de fora que é a cidade com maior incidência de HIV no estado de Minas Gerais”, revelou.
De acordo com o último Boletim Epidemiólogico HIV/AIDS/ Ministério da Saúde, a população jovem responde pela grande maioria dos novos casos de infecção por HIV no Brasil. Só entre a faixa-etária de 15 a 24 anos, houve um crescimento de aproximadamente 700% entre 2007 e 2017 no país.
A 3ª edição do Seminário de Prevenção ao HIV- Aprimorando III foi encerrada com a participação das “Drags da Prevenção”, um projeto do Grupo Pela Vidda-RJ, entre elas, as carismáticas Lorna Washington, Vick Diamonds e Karina Karão. “Esta é uma ação do Grupo Pela-Vidda-RJ. Ainda não temos financiamento para ampliá-la, mas sem dúvida, é uma ação de ampla importância no cenário da prevenção”, concluiu Marcio Villardi, coordenador do Grupo Pela Vidda-RJ.
Reportagem: Maria Lúcia Meira (estagiária)
Edição e supervisão: Angelica Basthi