Estamos num beco sem saída? Que fragilidades a crise revela para a sociedade brasileira? Qual o papel da sociedade civil neste momento? Estas e outras inquietações dominaram o debate na “Roda de Conversa sobre Cenário Político e Democracia: O que Betinho Faria?” realizada nesta quarta-feira (23/03) na ABIA, no Rio de Janeiro. Cerca de 60 pessoas, entre ativistas e intelectuais, reuniram-se para refletir sobre a crise política, intensificada após a divulgação da conversa telefônica entre o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma Rousseff.
O diretor-presidente da ABIA, Richard Parker, abriu o bate papo informal lembrando que o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, em situações de crise, costumava resgatar os princípios fundamentais que devem nortear as ações coletivas. “Não podemos afirmar o que Betinho iria pensar, mas sabemos que sempre olhava para questões de conjuntura e resgatava princípios como ética na política, democracia, justiça, liberdade e solidariedade nas suas análises”, afirmou.
Para Sônia Correa, pesquisadora associada da ABIA, e que também conviveu com Betinho, a crise revela a fragilidade das instituições democráticas e propõe uma reflexão profunda sobre o que foi construído até aqui: “Apesar dos esforços, a democratização é superficial. As novas gerações têm a tarefe de aprofundar as instituições democráticas. E isso nos leva a perguntar o que fizemos até aqui. Penso que construímos um Estado centrado, sem olhar para a sociedade…”, opinou.
Eloísa Machado de Almeida, professora de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), chamou a atenção para a fragilidade das instituições democráticas perante o poder de um juiz. “A Constituição deu poderes para este judiciário e o colocou na função de mediador de conflitos. Este espaço privilegiado dado nas últimas décadas está cobrando o seu preço”, disse.
A especialista também pontuou que é preciso reconhecer que o Estado de direito não chegou para uma parcela significativa da população. “Há uma incapacidade das instituições de aplicar a lei para todos e precisamos refletir sobre isso”, avaliou, acrescentando que vê com angústia o quadro político atual: “Estamos diante de um governo que não foi capaz de se associar aos movimentos sociais e também diante de forças conservadoras que acabam de aprovar a lei antiterrorismo. A pergunta que nos angustia é como fugir desta polarização defendendo princípios?”, indagou. O cenário, de acordo ela, é bastante difícil. Para a especialista, há indícios que mostram o impeachment como inevitável, embora o quadro possa ser mudado. “O cenário no Supremo Tribunal Federal está complicado. Pode mudar a qualquer momento”, afirmou.
Novo ciclo
A advogada Renata Reis reforçou que não há projeto político possível para se apostar neste cenário de crise. “Estamos num beco sem saída. Nós sabemos o que queremos e a Dilma também sabe o que queremos. É ela quem não quer a nossa pauta. Não há um projeto político capaz de aglutinar os anseios dos movimentos sociais LGBT, das comunidades tradicionais, dentre outros”, desabafou.
Veriano Terto Jr., assessor especial da ABIA, pontuou que o momento é de enxergar as lições aprendidas nesta trajetória até aqui. “É preciso enxergar um novo ciclo que pode estar se abrindo. A sociedade civil precisa voltar a se mobilizar, saber reconhecer o que foi construído e aplicá-lo neste novo cenário que pode estar surgindo neste momento”, avaliou.
Ao final do encontro, a ABIA anunciou que dará prosseguimento a “Roda de Conversa sobre Cenário Político e Democracia” no mês de abril.