Com mediação do coordenador do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens, Vagner de Almeida, a ABIA promoveu uma Roda de Conversa via Zoom sobre “Juventude, Estigma e COVID-19”. Almeida começou o debate provocando questões relevantes: como e por quê os jovens estão sendo culpabilizados por contribuir com o alastro da pandemia? Por que eles vão para suas boates? Será que eles são únicos?
Jéssica Marinho, assistente do Projeto Diversidade Sexual, disse que o grande problema está na desigualdade social que existe no Brasil. Para ela, é hipocrisia achar que todas as pessoas têm a possibilidade de se proteger igualmente. “Quem mora perto do Complexo da Penha como eu, percebe a dificuldade de muitas pessoas nas favelas para fazer a prevenção”, disse. Segundo ela, não são somente os jovens os responsáveis pela transmissão da epidemia, E citou o exemplo do cantor Belo para destacar o tratamento desigual dado aos periféricos. “ Vimos o Belo que foi preso porque fez show numa escola pública sem autorização. Ele está errado? Sim. Mas porque não prenderam outros artistas que fazem o mesmo e atraem jovens para esses lugares?”, indagou.
Outro assistente de projetos da ABIA, Jean Pierry Oliveira, seguiu com o debate destacando o longo tempo da pandemia que tem afetado a todos. “A pandemia tem permanecido por muito mais tempo do que pensamos, o que, naturalmente, causa um cansaço em toda a população. Isso não serve de desculpa para os jovens e os adultos abrirem mão dos seus cuidados com a pandemia, mas significa que para além disso temos um governo negacionista, que descredibiliza a imprensa e confunde mais do que ajuda a população”, advertiu.
Para a ativista e ex-Conselheira Nacional da Juventude, Eloah Kátia Coelho, é preciso compreender quem é esse sujeito jovem que chamamos de juventude. “É um sujeito que constrói sua identidade, é reivindicatório e demandatário e está na faixa entre 15 e 29 anos. São 43 milhos de jovens e dentre eles, cerca de 12 milhões não estudam nem trabalham. É um cenário desastroso que o país oferece para esta população; É preciso também entender que a primeira lei policialesca tratava o jovem como menor. Quem deveria ir para a assistência social e ser trancado era o jovem pobre e preto. O Brasil vai pensar a juventude a partir deste recorte. O jovem da periferia na estrutura brasileira não é considerado jovem”, afirmou.
Grupos em risco
Já o assessor de Projetos da ABIA, Juan Carlos Raxach, pontuou que “com relação ao conceito de Grupo de Risco, acho que devemos propor, falarmos de grupos em risco e não de risco. Para mim tem sentido essa mudança porque o “em” me faz pensar também na vulnerabilidade. Grupo de risco sempre me trouxe esse lugar da culpabilização”, disse Raxach.
Pós-doutoranda da Fiocruz e parceira da ABIA em projetos e pesquisas Carla Pereira afirmou que “aquele jovem que está na periferia e que tinha muitas atividades de socialização que não acontece mais, ele não calcula o quanto é importante estar com os amigos e olhar para outras coisas. Em contrapartida, aqueles jovens que estão lotando bares na Zona Sul não estão ligam pra nada. E esses não aparecem no Jornal Nacional”, criticou.
Vagner de Almeida complementou que todos nós, no fundo, estamos sendo grupos de risco ou nos colocando dentro desses grupos conforme a dinâmica social nos faz ir para a praia, encontrar os amigos ou algo similar. E que a noção do distanciamento “começou semelhante ao boom da epidemia de AIDS quando as pessoas começavam a se aproximar e aqueles que não seguiam as mesmas premissas eram estigmatizados”, pontuou. E perguntou: qual a noção de vocês de grupo de risco?
O professor baiano Pedro Paulo disse que tem observado “a dificuldade das pessoas onde resido [Salvador-BA] para manter o isolamento social. Porque aqui é um bairro periférico e há ausência de espaços de lazer por conta do não investimento do setor público. Já os bairros mais exclusivos, é o contrário. A rua passa a ser uma extensão da sua porta de casa. E você percebe como isso não é discutido: os espaços de sociabilidade dos bairros periféricos. Em Salvador, após às 17h é lockdown total. Só pode serviços essenciais. E, culturalmente, os brasileiros não estão acostumados com a falta de toque e abraço desse período pandêmico”, pontuou.
Angélica Basthi, coordenadora de comunicação da ABIA, elogiou o tema escolhido para debate pelo Projeto e quis compartilhar sua visão sobre os fatos. Para ela, “o que fica mais evidente – seja para o jovem da periferia ou para o jovem da Zona Sul – é a (ausência) da prática da solidariedade. Então como é que a gente responde isso enquanto sociedade civil? O que está sendo colocado é isso: como praticar a solidariedade em meio ao caos. Seja para o jovem periférico, mas também para aqueles da Zona Sul. Como tornar isso uma prática política cotidiana?”, indagou.
Já a professora aposentada, Sandra Brito, acha que é difícil para o jovem de hoje enxergar o amanhã. “Para eles, a disciplina não tem muito sentido, pois requer uma doação de si e como você vai alcançar isso se não tiver uma regra, uma postura? Está difícil para o jovem alcançar o isolamento social. Ele quer o hoje. Eu penso que dentro dessas políticas públicas e do marketing foi tudo muito errado para largar as pessoas ao nada. Tem que haver sensibilização. O vírus é invisível.”, observou.
O estudante universitário, Jean Vinícius, deixou claro que existe uma dificuldade do jovem, mas também das pessoas em geral, se achar ou se ver dentro da categoria de grupo de risco em situações limites como a pandemia. “Assim como foi na época do HIV/AIDS onde grande parte da sociedade só achava que a síndrome atingia a população de gays ou mulheres trans”.
André Feijó, médico sanitarista 64 anos, reconheceu sua posição privilegiada nesse momento de pandemia. Mas quis compartilhar sua opinião afirmando que “somos uma sociedade totalmente dividida. Cada um, obviamente, se justifica e defende seu grupo. Não que isso seja errado do ponto de vista do comportamento humano. Mas isso vai passar um dia – com a vacina ou uma mutação menos virulenta – e essas experiências coletivas deveriam servir para refletirmos saídas para a sociedade. Não era pra estarmos hoje nessa situação, o histórico de imunização que o Brasil tem. Não temos vacinas. E o jovem não tem nenhum exemplo das figuras que estão aí.”, lamentou.
Para Márcio Villardi, do Grupo Pela Vidda – RJ, “não podemos perder de vista o que já conquistamos. Eu não concordo com esse termo grupo de risco porque isso vêm da época do HIV e tem muitos estigmas. Agora, concordo com o que foi falado. E os jovens perderam o principal, a escola. Tudo bem que a família é o cerne, mas a educação abre mente, instrui e incentiva o pensamento crítico”. “Não estamos vulneráveis só ao coronavírus, mas sim a tudo aquilo que pode nos afetar no dia a dia, como a violência, por exemplo”, pontuou Vagner de Almeida.
Cristina “Kiki” Alves, profissional de saúde, disse que é preciso trabalhar entre pares para atrair os jovens diante daquilo que lhe interessa. “Não podemos esperar nada do governo. Jovem pro governo é só escola e eles não estão nem aí para a escola. Até porque ele não vive só na escola”, disse.
Encerrando o evento, Vagner de Almeida convidou as pessoas à reflexão. “Vamos pensar melhor acerca do uso da máscara, da nossa prevenção pela pandemia e dos cuidados que devemos ter uns com os outros”.
A roda de conversa “Juventude, Estigma e COVID-19” foi uma atividade organizada pelo Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens da ABIA.
Reportagem: Jean Pierry de Oliveira e Jessica Marinho (Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens)
Editado por Angélica Basthi