O Supremo Tribunal Federal (STF) antecipou para o dia 7 de abril o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5529. A data anterior para o julgamento era 26 de maio. A antecipação ocorreu após o Procurador Geral da República, Augusto Aras, solicitar que o STF suspenda os efeitos do parágrafo único do artigo 40, da Lei de Propriedade Industrial, que diz respeito ao prazo de vigência de patentes de invenção e modelos de utilidade. O objetivo da PGR é permitir que os laboratórios produzam genéricos no enfrentamento a pandemia da Covid-19. Na quinta-feira (04/03), a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), que participa da ADI 5529 como amicus curiae, protocolou sua quarta manifestação no processo apoiando tecnicamente a solicitação da PGR.
O parágrafo único do artigo 40 da LPI é considerado por especialistas no tema como uma aberração jurídica que não encontra nenhuma lei similar no mundo. O efeito prático foi denunciado pela sociedade civil desde que o Ministério Público Federal entrou com a ação em abril de 2016 e foi a principal causa que consolidou o artigo 40 como um entrave para uma resposta brasileira eficaz contra a pandemia da Covid-19.
“A posição da Procuradoria Geral da República foi muito importante por estabelecer uma relação clara entre a ADI 5529 e a pandemia da Covid-19. É o reconhecimento de que o parágrafo único do artigo 40 é um grave empecilho para combater a doença que já matou mais de 261 mil brasileiros”, aponta o advogado do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), Alan Rossi. O GTPI é coordenado pela ABIA e reúne um coletivo de 19 organizações da sociedade civil que atuam pelo amplo acesso a medicamentos, valorização do SUS e contra o atual sistema de patentes.
No documento, encaminhado à PGR, a ABIA esclareceu que a pandemia da Covid-19 mostrou toda a amplitude dos impactos nocivos causados pela extensão do prazo de vigência das patentes, tratado no artigo 40. Problema que se estende além do acesso a medicamentos pela população, dos impedimentos à produção nacional ou a importação de biossimilares na atual pandemia, que já são questões extremamente graves.
“(…) em meio à maior crise econômica, política e social do século, a extensão inconstitucional dos monopólios patentários gera efeitos sistêmicos graves na sociedade: (i) enfraquecendo o orçamento do Estado brasileiro; (ii) ameaçando a sustentabilidade das políticas do Sistema Único de Saúde; (iii) fragilizando o orçamento das famílias; e (iv) prejudicando políticas públicas voltadas à produção local de medicamentos essenciais”, afirmou a instituição na manifestação.
A ABIA também denunciou que o parágrafo único do artigo 40 limita severamente o acesso da população brasileira a medicamentos para diversas enfermidades, que em muitos casos, tratam-se de tecnologias antigas que já estão em domínio público em vários países e que, caso não existisse a extensão do monopólio, já poderiam dispor de um versão genérica em território brasileiro.
Um exemplo disso é o anti-inflamatório tocilizumabe, consagrado contra a artrite e que recentemente foi adotado no Reino Unido contra a Covid-19, devido a redução significativa de mortalidade comprovada em estudos clínicos. Por conta do artigo 40, o medicamento já teve dois prazos de vigencia ampliados. O medicamento possui outras duas patentes vigentes, totalizando quatro, além de pelo menos 130 pedidos de patente depositados no INPI do Brasil, que aguardam há mais de 10 anos pela avaliação da autarquia.
Dessa forma, com o parágrafo único do artigo 40, o prazo normal de uma patente que vigora 20 anos internacionalmente, supera os 30 anos no Brasil, com remédios liberados em outros países ainda sendo produzidos por apenas um laboratório aqui e comercializado com preços de monopólio.
Além dos efeitos diretos do dispositivo no impedimento ao acesso às tecnologias e medicamentos de enfrentamento à Covid-19, outros reflexos negativos foram observados como a negligencia sobre a demanda reprimida causada por outras doenças, a falta de leitos hospitalares e os riscos adicionais suportados por pessoas que vivem com comorbidades.
“A extensão inconstitucional do prazo de vigência das patentes é um erro histórico no ordenamento jurídico brasileiro e já causou muitos prejuízos à saúde pública em nosso país. No entanto, como demonstrado, a pandemia de Covid-19 potencializou os efeitos deletérios do parágrafo único do art. 40 e, sem qualquer sombra de dúvida, tornou a suspensão de seus efeitos ainda mais urgente”, conclui a ABIA, em documento.
A manifestação foi elaborada em parceria com a Escola de Direito da FGV/RJ
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Fonte: GTPI