Leandra tem 69 anos e, em 2010, começou a perceber que a fraqueza e a boca seca estavam se tornando rotineiras. Foi quando pediu ao médico um exame de HIV. Deu positivo. Ela não sabe dizer em que momento foi infectada, mas suspeita que pode ter sido em uma relação sexual com o ex-marido, seu parceiro por 25 anos.
— No consultório, escutei que poderia morrer de um acidente, mas não de HIV. E aí comecei o tratamento — relembra Leandra.
De acordo com o boletim epidemiológico HIV/Aids 2018 do Ministério da Saúde, entre a população feminina esta é a faixa etária com maior variação de aumento de casos de confirmação do vírus HIV. De 2007 a 2017, os diagnósticos cresceram sete vezes, na casa de 657%.
A taxa de detecção de Aids em mulheres acima de 60 anos também aumentou, na última década, de 5,3 para 6,4 pessoas para cada 100 mil habitantes.
A ginecologista Helaine Milanez, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, afirma que alguns fatores contribuem para o aumento de diagnósticos de HIV na terceira idade:
— A vida sexual voltou a ser muito ativa nessa população. O surgimento de estimulantes sexuais proporcionou isso. Ao mesmo tempo, em uma faixa etária em que as pessoas não têm mais receio de gravidez, o uso de preservativo é menor.
Revolução que não diminuiu o estigma e o preconceito em torno do
Revolução que não diminuiu o estigma e o preconceito em torno do HIV na vida de Leandra e de outras mulheres maduras que são portadoras do vírus. Ela não revelou o diagnóstico para os filhos, mas, quando eles descobriram, a reação não foi das melhores.
— Todos têm preconceito. Eles falaram que eu devia buscar meus direitos, mas se afastaram de mim.
Assim como ela, Janaína (os nomes são fictícios) estava prestes a celebrar seus 60 anos quando decidiu fazer o exame, alarmada com a perda de peso. Seu médico a desencorajou, dizendo que ela não integrava nenhum “grupo de risco”. Ela bateu o pé. Deu positivo.
— Meu filho me olhou com raiva e menosprezo. Eu disse para ele que meu projeto era viver mais 20 anos e que o resultado do teste não iria mudar isso.
Desde que recebeu o diagnóstico, Janaína procurou integrar grupos de apoio de pessoas que vivem com HIV. Afastada dos filhos, Leandra, hoje, mora sozinha com um gato.
A diretora da Escola de Enfermagem Anna Nery, da UFRJ, Carla Luzia Araújo, diz que muitas mulheres a partir de 40 anos só descobrem ser portadoras do vírus ao apresentarem algum sintoma ou quando vão ao médico após o diagnóstico positivo dos parceiros.
— O teste rápido de HIV deve ser integrado ao cotidiano de todos. Não deve ser compulsório, mas oferecido quando a mulher busca os serviços de Saúde, como, por exemplo, ao fazer um preventivo. Faltam políticas públicas voltadas para a prevenção em mulheres que não são adolescentes ou gestantes.
Carla Araújo inclui as relações monogâmicas como fator de falsa proteção em relação ao risco de infecção.
— As pessoas acreditam que ter um parceiro único é protetivo. Mas é também um fator de risco, pois acreditam estar protegidas e não usam preservativos.
Enquanto os jovens, população com maior número de registros de casos na última década, não viveram a epidemia do HIV e da Aids, os idosos acompanharam a evolução nas formas de tratamento da doença.
— A população idosa observou a evolução do tratamento e viu que é possível se tratar — pontua Helaine Milanez, da Unicamp.
Carla Araújo destaca a importância de se criarem campanhas de prevenção especificamente para mulheres acima de 40 anos e da necessidade de se conscientizar este grupo a fazer o teste de HIV. A rotina de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis na terceira idade, concorda Helaine Martinez, não tem sido valorizada.
— As campanhas diminuíram muito nos últimos anos. É importante assumir uma rotina de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis na terceira idade com campanhas que orientem sobre prevenção e sexo seguro. O foco das campanhas segue voltado para a população em idade reprodutiva.
O diretor geral do Hospital Universitário Graffrée e Guinle da Unirio, Fernando Ferry, lembra como exemplo a campanha do carnaval de 2009 do Ministério da Saúde, que tinha como alvo a população feminina acima dos 50 anos. O slogan era “Sexo não tem idade para acabar. Proteção também não”.
— A gente tem que ter um diálogo mais franco com esse grupo — diz.
O pressuposto de que idosos não têm vida sexual, diz Ferry, alimenta a cultura entre os profissionais da saúde de não solicitar o teste rápido para esses pacientes. Ele destaca ainda que alguns sintomas do HIV podem ser confundidos com doenças comuns da terceira idade:
— Muita gente desconhece a própria sorologia e os médicos não pedem o exame para os idosos, porque quando essas doenças se manifestam pensam logo que é da idade, como a herpes zóster, por exemplo. Além disso, há também uma falsa crença de que idosas não precisam mais ir ao ginecologista.
* Fonte: Jornal O Globo