Risos, aplausos, choros emocionados, afagos, acolhimento e luta. Foram essas as emoções que marcaram a celebração dos 30 anos do Grupo Pela Vidda-RJ (GPV-RJ) na semana do Dia Mundial de Luta Contra a AIDS. Criado pelo ativista e escritor Herbert Daniel e outros militantes no ano de 1989 com o objetivo foi lutar pela valorização, integração e dignidade das pessoas que vivem com o HIV e AIDS, o GPV-RJ nasceu do espaço da ABIA, de onde cresceu, ganhou independência e sede própria, se tornando uma das principais referências na luta contra a AIDS, em defesa da vida e da solidariedade, com filiais também em Niterói e São Paulo.
Ao longo dos três dias do “Encontro Nacional Celebração dos 30 Anos do Grupo Pela Vidda-RJ: retrospectiva e avaliação das políticas de prevenção do HIV e AIDS de 1989 a 2019”, ativistas, antigos colaboradores e pessoas vivendo e convivendo com o HIV e a AIDS trocaram relatos, experiências e memórias sobre a organização, que traz como marca o acolhimento, o afeto, o respeito a solidariedade como impulsionadores para o enfrentamento da AIDS.
Herbert Daniel
A Tribuna Livre “Nossos 30 Anos! E agora?” foi o ponto de partida do encontro, que contou com as participações do vice-presidente da ABIA VerianoTerto Jr. e da médica infectologista Márcia Rashid, ambos fundadores do Pela Vidda. Muito emocionado, o vice-presidente da ABIA falou da sua trajetória pessoal com a organização “É um orgulho muito grande para mim fazer parte dessa história, são 30 anos do Pela Vidda e também 30 anos que eu completo esse ano no movimento AIDS”. Terto Jr. reforçou a importância do diálogo com os mais jovens e a articulação intersetorial na resposta à AIDS“. Acho que essa celebração também abre a oportunidade de um diálogo intergeracional, entre eu, Márcia, quem já está a anos no movimento. E para a juventude que chega agora, assim como quem não é mais tão jovem e está chegando também…. Temos que questionar qual a importância política de se criar uma organização pautada nessa condição, da pessoa soropositiva em 1989? Aquela época tem muito em comum com o que estamos vivendo agora porque nós lutamos por cidadania, contra os retrocessos, pelo acesso aos direitos então é fundamental discutir esses contextos para avaliar o que temos hoje”, afirmou.
O criador e fundador do Pela Vidda, Herbert Daniel, foi lembrado com muito pelos convidados e pelo público presente. Antes de criar o Grupo Pela Vidda, Daniel foi um dos fundadores da ABIA e ilustre ativista desta instituição. Jornalista, escritor, e integrante da luta contra a ditadura militar nas décadas de 60 e 70, Daniel foi um dos mais importantes ativistas pelos direitos humanos do país. Homossexual e soropositivo, escreveu diversas publicações sobre o tema e participou ativamente da luta contra o HIV e a AIDS no Brasil até falecer por complicações decorrentes da doença, em 1992.
“O Herbert Daniel costumava entrar em uma sala e perguntava quem aqui não vai morrer? E aí havia um silêncio né? Então ele dizia: ‘todos nós vamos morrer, mas eu já estou morto’. Esta era a forma dele trazer essa questão da morte civil. Naquela época, havia uma postura muito maior de enfrentamento, as pessoas diziam “eu tenho AIDS” porque queriam mudar a epidemia. O Daniel é um exemplo muito grande disso”, lembrou Rachid. “Ele via todo mundo como cidadão, antes não havia toda essa questão das identidades, então o que importava era fazer valer os direitos das pessoas. Para ele, todo mundo era HIV positivo porque a AIDS é um problema social, de todos”, completouTerto Jr.
A abertura oficial do encontro também foi marcada por manifestações em defesa da vida e contra os retrocessos nos direitos sociais. A atual presidente do Grupo Pela Vidda, advogada e mulher trans, Maria Eduarda Aguiar, reforçou sobre a importância de manter a luta pelos direitos das pessoas vivendo com HIV/AIDS e em defesa das populações marginalizadas: “É muito simbólico, esse resgate dos 30 anos de movimento de luta contra a AIDS que o GPV está fazendo. Precisamos refletir sobre tudo o que conquistamos, porque foi difícil para as pessoas vivendo com HIV e AIDS alcançar os direitos que temos agora”, afirmou Eduarda. “E ainda tem todo o estigma, o preconceito, a violência estrutural que impede outros de nós de estarmos aqui. Mais do que nunca seguir lutando e resistindo”.
Homenagens
Em um grito contra a transfobia e o silenciamento, as mulheres trans e travestis presentes no encontro foram homenageadas, com destaque para as moradoras e ativistas da Casa Nem, instituição que acolhe transsexuais, travestis, transgenêros e demais pesoas LGBTQ no Rio de Janeiro. Também estavam entre as homenageadas, a presidente da Rede Rio Jovem+, ThayllaVarggas e a ativista Wescla Vasconcellos. Quem fez parte da historia do GPV-RJ ao longo destes 30 anos também foi homenageado tais como a professora Jessy Salomão, ministrou oficinas e aulas de artes na instituição e a ativista Cida Lemos, que atualmente luta contra um câncer. À Lemos, foi dedicada a música “Como é grande o meu amor por você”, entoada em coro pelo público presente. “Vocês não sabem o quanto vocês me passam força, me passam vontade de viver, de lutar. Eu realmente não tenho palavras pra agradecer esse carinho que eu sempre recebi no Pela Vidda e de todos vocês”, afirmou Lemos. Também foram homenageados a ativista Irani Santos e os integrantes da Rede de Jovens Vivendo e Convivendo com o HIV do Estado do Rio de Janeiro. Os ativistas que faleceram este ano foram lembrados, entre eles, Zé Hélio e Josimar Pereira. A noite se encerrou com o Desfile “Abra suas Asas” e show das Drags da Prevenção que trouxe as drag queens Lorna Washington e Carina Carão.
Prevenção e PREP
O 2º dia do encontro trouxe a mesa temática “A Prevenção ao HIV/AIDS nos anos 80 e 90” e teve as participações de Kiko Rodrigues da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Lorna Washington/GPV-RJ, que abordaram sobre a memória do ativismo contra o HIV/AIDS no final das décadas 1980 e nos anos 1990. Outro assunto que foi tema de uma das mesas foi “O protagonismo das PVHA na Prevenção Positiva” que registrou as falas de Evalcilene Santos do Movimento das Cidadãs Positivas, Paulo Giacomini da RNP+-SP e Salvador Correa, da ABIA. “Só nesta mesa havia três pessoas de diferentes contextos da epidemia: Giacomini, que é da década de 90, a Val de 2000, e eu de 2010. Isso é muito rico em termos de troca e de ativismo”, destacou Corrêa.
O debate sobre “O contexto político atual: a prevenção, o tratamento e os direitos humanos”, contou com as participações de Simone Leite, do Conselho Nacional de Saúde; Taylla Vargas da Rede de Jovens Rio+ e Jorge Beloqui, do Grupo de Incentivo a Vida (GIV) e membro do Conselho de Curadores da ABIA. Beloqui, por exemplo, questionou a efetividade desta profilaxia direcionada apenas às chamadas populações chave (pessoas trans, profissionais do sexo, casais sorodiscordantes e homens que fazem sexo com homens): “É preciso que haja novas diretrizes para a PrEP, porque essa coisa de populações chave é muito questionável”, afirmou. “A PrEP tem que ser estendida à todas as populações em risco de adquirir o HIV, como por exemplo homens e mulheres cis que praticam sexo grupal, pessoas que que contraíram duas ou mais infecções sexualmente transmissíveis no último ano…e não aquela com maior prevalência”, frisou.
Já Simone Leite, do Conselho Nacional de Saúde, reforçou as críticas contra as políticas de austeridades fiscal e de sucateamento do SUS levadas a cabo pelo governo federal. “É a política do Estado mínimo que está sendo colocada para a saúde como estratégia de atendimento. Precisamos então fortalecer a representação social nos conselhos de saúde e nas instâncias de participação social por que são nesses espaços que as decisões são tomadas” afirmou.
Ato
O Encontro Nacional Celebração dos 30 Anos do Grupo Pela Vidda-RJ foi encerrado com um ato e passeata nos Arcos da Lapa em comemoração ao Dia Mundial de Luta Contra AIDS (1/12). Na ocasião, foram feitas manifestações de ativistas e apresentações artísticas com poetas e grafiteiros que gravaram a luta coletiva do Pela Vidda assim como um pouco da vida e da história de tantas pessoas que passaram pela organização, na memória da cidade. Viva a Vida!
Reportagem: Maria Lucia Meira (estagiária)
Edição e supervisão: Angélica Basthi