Em tempos de retrocessos, a Declaração dos Direitos Fundamentais das Pessoas Portadoras do vírus da AIDS – que este ano completa 30 anos – foi o tema central para os diálogos travados na 20ª edição do Encontro Nacional de ONGS, Redes e Movimentos de Luta Contra a AIDS (ENONG) e devem fundamentar as atividades nacionais do 1º de dezembro, Dia Mundial de Luta Contra a AIDS, em todo o país.
O 20º ENONG, que aconteceu em São Paulo, marcou uma ampla discussão sobre os desafios que persistem em temas como direitos e saúde, prevenção, assistência à saúde das pessoas que vivem com HIV e AIDS e o futuro do ativismo na resposta à epidemia (os quatro temas escolhidos pelos organizadores para organizar o programa do evento e nortear os debates ao longo do evento). Nesta edição, o ENONG foi organizado pelas ONGs locais reunidas no Fórum de Ongs AIDS do Estado de São Paulo (FOAESP), conforme decisão coletiva durante o 19º ENONG em 2017. O evento também contou com o apoio da comissão política composta pelas principais redes do movimento social como Articulação Nacional de Luta Contra a AIDS (ANAIDS), Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS (RNP+), entre outras.
A pergunta-chave que a sociedade brasileira deve fazer é compreender a razão pela qual um manifesto lançado em 1989 pelos participantes do 2º ENONG – que aconteceu em Porto Alegre – ainda é assunto para a mobilização de centenas de ativistas em todo o país. A maioria dos direitos defendidos há 30 anos continua sendo desrespeitada. E o que é pior, no atual contexto político e econômico no Brasil, há o risco de retroceder no pouco que foi alcançado até aqui.
Cada vez mais estão sendo estreitados os caminhos para o acesso das organizações não-governamentais aos fundos públicos. Isto impacta diretamente na vida útil das organizações não-governamentais comprometidas com a resposta à epidemia do HIV e da AIDS. O resultado são dezenas de organizações que encerraram as atividades ou estão sem recursos para colocar em prática projetos que seriam essenciais para a resposta à AIDS no país.
Em comparação a outros encontros nacionais recentes, o 20º tinha um número menor de participantes de outros estados, reflexo da falta de apoio do governo federal e da dificuldade de conseguir apoio local para garantir a participação. E quem conseguiu chegar foi pela sensibilidade de poucos gestores estaduais e municipais, que viabilizaram as passagens. Foi uma das raras edições do ENONG com o apoio reduzidíssimo do governo federal. Por conta deste retrocesso implacável em curso, há ainda o temor de que este tenha sido o último ENONG.
A forte tendência neoliberal que tem devastado a saúde pública vem prejudicando especialmente a resposta à epidemia. Pessoas que vivem com HIV/AIDS têm sofrido dolorosamente em razão da precarização do Sistema Único de Saúde (SUS). Há uma imensa dificuldade para o acesso aos serviços, como por exemplo, conseguir uma internação. O cenário tende a piorar com o fim do repasse dos recursos específicos para a AIDS que entra em vigor em 2020.
O alto grau de conservadorismo também tem fortalecido o estigma e todas as formas de discriminação, preconceito e estigma, impedido alianças e afastado pessoas que vivem com HIV/AIDS e grupos mais vulneráveis da assistência e da prevenção. Ao mesmo tempo, esta conjuntura exige que o movimento social de AIDS se aproprie cada vez mais das tecnologias de prevenção disponíveis como a profilaxia pré-exposição (PrEP) e a profilaxia pós-exposição (PEP). Essas e outras informações não têm chegado até as comunidades e periferias que continuam fazendo uso da camisinha como único meio para a prevenção do HIV e da AIDS.
É por isso que, neste cenário, os direitos das pessoas que vivem com HIV permanecem como um marco nos princípios que regem a saúde pública atualmente em nosso país. Esses direitos foram a base para a construção das propostas aprovadas durante o 20º ENONG que serão transformadas numa carta política para orientar as ações do movimento social de AIDS nos próximos dois anos. Ninguém tem dúvidas de que o SUS é o caminho para o enfretamento da epidemia do HIV e da AIDS. É isso que vai fundamentar todas as atividades em várias cidades do país neste Dia Mundial de Luta Contra a AIDS.