A ABIA manifesta total solidariedade à Fiocruz e aos pesquisadores envolvidos no 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira (Lnud), após a lamentável tentativa de desqualificação da pesquisa feita pelo Ministro da Cidadania, Osmar Terra, e que resultou em atos de censura do governo federal.
A Fiocruz é uma instituição centenária de 119 anos, dona de uma sólida credibilidade e reputação dentro da sociedade brasileira e na comunidade científica no Brasil e no mundo. O 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira oferece evidências científicas fundamentais para o desenvolvimento de ações em diálogo com os diferentes modos de uso de drogas e estilos e alinhadas a uma política de redução de danos.
A afirmação de que haveria uma epidemia de drogas a partir de uma percepção individual – no caso do próprio ministro, sem embasamento de outros estudos – além de inapropriada e preconceituosa, empobrece ainda mais a atual política nacional de drogas e é um duro golpe nas políticas e ações de redução de danos. Em outros tempos – anos 1990 e 2000 – a política nacional de drogas apresentou avanços significativos, não só para reduzir o uso de drogas, como para quebrar estigmas e a exclusão social de pessoas usuárias e prevenir uma série de doenças relacionadas ao uso de drogas.
O uso de drogas injetáveis foi e ainda é uma das principais vias de transmissão do HIV. Portanto, reduzir o número de casos de AIDS relacionados ao compartilhamento (ou não) de seringas deve contar com um tratamento científico que privilegie a autonomia e respeite os limites dos usuários dentro do marco legal dos direitos humanos. O mesmo é válido para a prevenção das hepatites virais.
O questionamento mal fundamentado da metodologia científica e as tentativas do governo de desqualificar o estudo parecem atender aos interesses das comunidades terapêuticas lideradas pelos evangélicos que incentivam a internação involuntária e abstinência total de drogas. Para estes grupos, a abstinência e a oração são as únicas formas de abordagem terapêutica possível deste grave problema de saúde pública.
Em questões de saúde, não há “balas mágicas” ou soluções fechadas. Os problemas relacionados ao uso de drogas e ao enfrentamento da epidemia da AIDS dependem de uma base solida de dados científicos. A Fiocruz vem fornecendo isso há décadas para fundamentar o debate público democrático sobre as melhores políticas a serem adotadas a partir da realidade cientifica apresentada.
A adoção de políticas com base somente nas opiniões – a priori – dos gestores públicos, sem diálogo e marcado pela negação de informações científicas parece mais uma postura autoritária que infelizmente repete a longa história de decisões erradas que caracterizam a resposta aos impactos causados pelo uso de drogas durante décadas neste país.
A sociedade brasileira e a saúde pública merecem encaminhamentos melhores para enfrentar de verdade os grandes desafios que, de fato, nos afligem.
Rio de Janeiro, 04 de junho de 2019
Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS