A Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) fez uma entrevista exclusiva com Pedro Chequer, médico sanitarista, epidemiologista e conselheiro da instituição. Na conversa, ele faz uma análise contundente sobre os últimos dados no Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde referente ao ano de 2013, critica a tendência de vinculação ao chamado comportamento de risco ao HIV/AIDS e avalia os impactos da onda conservadora que tem silenciado o governo para as ações e campanhas estratégicas no combate à epidemia. A reportagem integra as ações da ABIA para o Dia Internacional Contra a Homofobia e Transfobia, lembrado no dia 17 de maio.
ABIA – Segundo o último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, referente a 2013, o Brasil chega a 2014 contabilizando o aumento da infecção e de mortes associadas entre homossexuais masculinos acima de 13 anos. Como o senhor avalia estes dados?
PEDRO CHEQUER – Não diria aumento da infecção porque o sistema não permite esta análise e, sim, o aumento dos casos diagnosticados e notificados. Isso representa, sem dúvida, infecções adquiridas no passado e que se manifestam nos últimos anos como caso de AIDS, sintomáticos ou não. E no mesmo cenário, se observa, de algum modo, entre adolescentes do sexo feminino. Se isto representar uma tendência, é preocupante, pois significa que os jovens vem sendo cada vez mais infectados pelo HIV. Pelos dados do MS, observa-se uma queda no uso do preservativo, algo que também preocupa e agrava o cenário da epidemia. Faz-se necessário urgente revisão das práticas de intervenção com vistas a avaliar que aspectos estão falhos ou ineficazes para o redesenho de estratégias. Ações de educação continuada na escola e campanhas educativas são parte da solução. Um dos grandes sucessos do programa brasileiro foi a parceria com a sociedade civil como atores e protagonistas do processo. A educação, por intermédio de pares, tem se mostrado eficaz. Esta é uma área que deve ser considerada na ampliação das atividades. A intervenção no âmbito escolar, por intermédio de proposta pedagógica adequada e compatível com a idade, é preconizada pela UNESCO a partir dos 5 anos de idade. Aqui ainda patinamos no limite dos 12 anos e sem uma prioridade clara depois de fatos que fizeram retroceder a agenda.
ABIA – Há uma tendência de vinculação dos chamados comportamentos de risco ao HIV/AIDS à população LGBT, especificamente aos homossexuais masculinos. Na sua opinião, que fatores estão associados a este tipo de análise e como é possível combatê-la?
CHEQUER – O risco é função da prática sexual desprotegida e, nesse sentido, não há diferença segundo a opção sexual. Todavia, dada a existência de práticas de sexo desprotegido, a população de homossexuais e trabalhadoras sexuais estão mais exposta ao risco em decorrência da multiparceria.
ABIA – O senhor já afirmou que o Brasil é campeão de crimes homofóbicos. O senhor mantém esta avaliação para os dias atuais? Que fatores estariam relacionados a esses altos índices?
CHEQUER – O quadro adverso se mantem e sem perspectivas de mudanças dada a visão de alguns grupos sociais que promovem indiretamente essa pratica na medida em que disseminam tratar-se a homossexualidade de uma aberração que fere os princípios bíblicos e promovem inclusive a “cura” dos indivíduos “portadores” desse “desvio”. A PL (Projeto de Lei) que criminaliza a homolesbotransfobia tem sua votação indefinidamente postergada por absoluta falta de vontade política e submissão do governo federal à agenda conservadora de grupos religiosos. Por sinal, com base no que vejo e leio cotidianamente, essa é uma agenda praticamente no esquecimento. A ausência de leis que punam a pratica de modo claro é uma importante lacuna.
ABIA – Como o senhor avalia a atual política brasileira de enfrentamento a epidemia de HIV/AIDS? O senhor acha que a ascensão de forças políticas que representam o conservadorismo, muitas vezes o extremismo religioso, está influenciando a atual política, por exemplo, de censura de campanhas de prevenção?
CHEQUER – Comentei uma vez que vivemos a “era Bush” no Brasil, uma cópia tardia do que se passou nos Estados Unidos. Há uma agenda de subserviência do Governo Federal aos grupos conservadores. Tivemos campanhas suspensas, material educativo proibido de ser utilizado no ambiente escolar ao lado de uma agenda oficial quase silenciosa para evitar irritar essas forças organizadas. Ora, se nesse pais as populações sob maior risco de infecção são os homens que fazem sexo com homens, segmentos trans, usuários de drogas e trabalhadoras sexuais, estes devem ser o foco principal da intervenção, de mobilização e ações de educação continuada. E de modo explícito. O pais perdeu a laicidade há algum tempo e começo com a assinatura do acordo com o Vaticano. Desde então a situação só tem se agravado.
ABIA – E nessa mesma perspectiva, como o senhor avalia a atual política brasileira quanto à garantia dos direitos fundamentais da população LGBT?
CHEQUER – Sem dúvida, devemos reconhecer que houve avanços, fruto da mobilização social. Todavia, avaliando o quadro anteriormente descrito, há um longo caminho a percorrer para que se alcance a equidade e o pleno exercício de cidadania.
ABIA – Existe um caminho possível para uma real garantia de direitos a essa população?
CHEQUER – Mobilização social, legislação adequada com garantia de sua implementação e uma agenda oficial que estabeleça os parâmetros necessários com vistas à garantia desses direitos. Educação continuada no ambiente escolar voltada para o respeito a diversidade, combate ao racismo, à violência contra a mulher e proteção do meio ambiente são essenciais para que possa o pais efetivamente forjar uma geração onde esses temas sejam parte de sua concepção de cidadania.
ABIA – Como o senhor avalia a atuação e articulação do movimento LGBT diante do atual panorama político brasileiro?
CHEQUER – Desarticulado e muitas vezes submisso a uma agenda de política partidária. Segmentos isolados ainda tentam promover algumas iniciativas e tem alcançado logros; todavia, são superados pela adversidade e apatia de boa parte do movimento.
ABIA – Da perspectiva da luta contra a epidemia do HIVAIDS e dos constantes crimes de ódio contra a população LGBT, qual a mensagem que o senhor deixa para a população LGBT no Dia Internacional Contra a Homofobia e Transfobia?
CHEQUER – A urgente necessidade de mobilização social e ampliação do leque de alianças políticas com vistas a aprovação da PL (Projeto de Lei) 122 e maior incidência e visibilidade nas políticas públicas em curso.