O Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), coordenado pela ABIA, se manifesta por meio desta nota para salientar a importância da decisão proferida pelo Juiz Rolando Valcir Spanholo, Juiz Federal da 21ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal (SJDF), na data do dia 23/09/2018. A decisão anulou o ato administrativo do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), que concedeu a patente para o medicamento sofosbuvir no último dia 18/09/2018.
Em sua argumentação, o juiz ressalta a primazia do artigo 5, inciso 39, da Constituição Federal e do artigo 2 da Lei de Patentes, que versam sobre a soberania nacional e o interesse público, devendo estes prevalecer sobre o mero exame burocrático de requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. O juiz reconhece ainda a eventual necessidade de se outorgar a licença compulsória para o sofosbuvir.
Enquanto um coletivo da sociedade civil, composto por organizações de várias partes do Brasil atuantes no tema do acesso a medicamentos há mais 15 anos, o GTPI tem adotado como uma de suas estratégias centrais oferecer contribuições técnicas para embasar a rejeição de pedidos de patente, conforme disposto no artigo 31 da Lei da Propriedade Intelectual (LPI). Não obstante, o GTPI também busca promover o debate público sobre o funcionamento do sistema de patentes e sua constante falha em equilibrar interesses públicos e privados.
Em todas as manifestações enviadas ao INPI, sobre os casos de exame de patentes para medicamentos essenciais no tratamento de HIV/AIDS e Hepatites Virais, o GTPI tem apontado que as patentes são utilizadas apenas como estratégia de bloqueio da concorrência, sem oferecer nenhum benefício para o desenvolvimento social e tecnológico do país. Estas considerações sempre foram vistas como secundárias pelo INPI. Reiteramos que o sistema de patentes não pode servir como um mecanismo de extorsão dos recursos público amparado pela lei.
Mais grave ainda, diante de casos com grande impacto para a saúde pública – como é o caso do sofosbuvir, usado para tratar a hepatite C – o GTPI tem mobilizado esforços para ampliar o debate público por meio de atos de rua e contatos com a imprensa. No entanto, no último dia 18/09, foi realizado no Rio de Janeiro o “Seminário Internacional Patentes Inovação e Desenvolvimento”, organizado pela Associação Brasileira de Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas especialidades. Numa das mesas deste evento, a diretora de Patentes do INPI, Liane Lages, taxou de “prática inadequada” as ações da sociedade civil que cobraram do órgão a rejeição da patente do sofosbuvir, levando em conta os argumentos técnicos apresentados e o impacto desta patente no sistema de saúde e, portanto, seu desalinhamento com a defesa do interesse público.
De acordo com Lages, a sociedade civil não deveria se manifestar desta forma. Consideramos extremamente grave que uma representante da administração pública faça afirmações desta natureza em público, em clara postura antidemocrática que em nada contribui para o fortalecimento da cidadania, principalmente no atual contexto de fragilidade democrática e perseguição de defensores e defensoras dos direitos humanos no Brasil.
Ressaltamos que o GTPI tem atuado desde 2014 para colocar o sofosbuvir livre de patentes, ou seja, em domínio público, por meio de ações que incluem as acima mencionadas (oposições a patente, os atos de rua) e as diversas demandas por licença compulsória no caso de uma concessão indevida da patente. Esta demanda está sendo articulada pelo GTPI desde 2017 em diversas oportunidades, inclusive por meio de reunião realizada no Conselho Nacional de Saúde, em março de 2017, e que ensejou a Recomendação nº 007/2017, citada na liminar.
Por fim, o GTPI considera que o sistema de patentes possui muitas distorções, com destaque para o fato de os artigos mais usados da LPI serem o 231 e o parágrafo único, do artigo 40 – ambos com foco no interesse das grandes empresas farmacêuticas em estender os monopólios de forma indevida. E ainda o menos usado ser o 71, que prevê o licenciamento compulsório, utilizado apenas uma vez.
Esperamos que esta liminar e outras ações em curso problematizem este desequilíbrio, tornem a licença compulsória uma pratica mais frequente e gerem um debate amplo sobre as diretrizes aplicadas pelo INPI na área farmacêutica e as limitações que apresentam na defesa do interesse público.
Participam do GTPI:
1. Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS – ABIA (coordenação)
2. Conectas Direitos Humanos – Conectas
3. Federação Nacional dos Farmacêuticos – FENAFAR
4. Fórum de ONGs AIDS do Rio Grande do Sul
5. Fórum de ONGs AIDS de São Paulo – FOAESP
6. Soropositividade, Comunicação & Gênero – GESTOS
7. Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS – São Paulo – GAPA/SP
8. Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS – Rio Grande do Sul – GAPA/RS
9. Grupo de Incentivo à Vida – GIV
10. Grupo Pela Vidda – São Paulo
11. Grupo Pela Vidda – Rio de Janeiro
12. Grupo de Resistência Asa Branca – GRAB
13. Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC
14. Médicos Sem Fronteiras – Campanha de Acesso a Medicamentos/Brasil
15. Movimento Chega de Descaso;
16. Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS – Núcleo São Luís do Maranhão
17. Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais – UAEM/Brasil.
Fonte: GTPI