A camisinha feminina é o método contraceptivo mais completo para as mulheres: ao contrário da pílula anticoncepcional, do DIU e do diafragma, impede não apenas uma gravidez indesejada, mas também infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Ela também pode ser vestida horas antes da relação sexual, antes de sair de casa para um encontro, por exemplo. E coloca na mão da mulher o poder de decisão pelo uso do preservativo. No entanto, a popularidade prometida quando o produto chegou ao mercado brasileiro, na década de 90, nunca chegou.
Nos últimos seis anos, o quantitativo de preservativos femininos distribuídos pelo Ministério da Saúde não chegou a 2% do número de camisinhas masculinas entregues nos postos de saúde. Após dois anos sem comprar novos preservativos femininos, o Ministério da Saúde informou que foram comprados, em dezembro, 35 milhões de camisinhas femininas, das quais 3 milhões começarão a ser distribuídas este mês. A medida não é suficiente, afirma a antropóloga Sonia Corrêa, uma das autoras da pesquisa “Preservativo feminino: das políticas globais à realidade brasileira”.
— Essas compras gigantescas fundamentalmente beneficiam os agentes públicos e privados. Não adianta ter um monte se as mulheres não forem motivadas a conhecer e a usar. Não houve, nos últimos 10 anos, nenhum investimento sólido e consistente em tornar a camisinha feminina um insumo tão normal como a pílula ou a camisinha masculina. – afirma Sonia, que também é co-coordenadora do Observatório de Sexualidade e Política da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS. — O uso adequado, a informação sobre como usar, isso envolve falar de vagina e de clitóris, e dos tabus sobre sexualidade feminina. No Zimbábue, um caso de sucesso, a divulgação mirava nas mulheres e falava de forma erótica, as camisinhas eram distribuídas em salões de beleza.
A socióloga Jacqueline Pitanguy afirma que há um bloqueio cultural – que tem como pano de fundo uma visão moral conservadora – no qual as mulheres não se sentem confortáveis em tocar o próprio corpo.
— Quis tentar, só que não deu muito certo. Achei pouco prática, não consegui colocar direito. Não ficou confortável e desisti. Hoje, ainda não acredito que seja possível dizer que o uso da camisinha feminina possa ser algo empoderador para a mulher, já que é difícil de se encontrar e tem pouca divulgação. Além disso, não acho que é um problema a mulher andar com a camisinha masculina. A questão é que elas fazem pouco isso. O importante é estar preparada e tomar para si também essa responsabilidade.
Constrangimento
A reportagem de O Globo entrou em contato com postos de saúde, clínicas da família e farmácias privadas para saber como conseguir esse tipo de preservativo. Em farmácias, foram encontrados mais de 60 tipos de preservativos masculinos e apenas um feminino, quando estava disponível. Em postos de saúde e clínicas da família, enquanto o masculino está disponível e à vista de quem entra, quem quiser um preservativo feminino precisa pedir a um profissional e ir até a farmácia para buscá-lo; o que muitas vezes causa constrangimento.
A antropóloga Mirian Goldenberg fez uma pesquisa com mil mulheres de 16 a 25 anos que relataram sentirem preconceito ao comprar preservativos. Sua pesquisa foi focada em preservativos masculinos, mas reflete a barreira cultural que leva mulheres a se sentirem constrangidas na hora de comprar um preservativo:
— Muitas disseram ter vergonha de andar com o preservativo na bolsa e que, mesmo sabendo do risco, acabam usando quando o cara com quem estão saindo não tem. Também há a questão da confiança. Os parceiros questionam “Como assim, você quer usar? Você não confia em mim?”.
Para isso, a resposta vem da propaganda do Zimbábue: “As pessoas acham que o casamento é um paraíso de segurança”.
— Por que a camisinha feminina não emplaca? Vejo aqui três aspectos: o primeiro é uma questão da própria mulher, que tem tabus em relação ao próprio corpo, resistência em se tocar e de ir até o local de venda comprar um preservativo; o segundo é de mercado, se não vende, as indústrias não se esforçam, também, para vender mais ou fazer produtos mais atrativos; e por últimos é uma inação tanto de fornecedores privados quanto públicos em criar campanhas de conscientização e educação.
“Nunca vi em farmácia”
A advogada Bruna Rangel, co-fundadora da ONG “Não Me Kahlo”, já tentou usar, sem sucesso:
— Tentei uma vez, bem na época de carnaval. Só que não deu muito certo. Achei pouco prática, não consegui colocar direito. Temos, em geral, uma educação sexual defasada, que fala sobre o preservativo masculino, mas da feminina, não. E aí dependemos de ler o rótulo, que pode dificultar a parte prática.
Ela conta ter percebido que o produto não é voltado para mulheres lésbicas, focado apenas na proteção da penetração; e que só conseguiu achar em postos de saúde, mas também apenas no período do carnaval.
Fonte: Jornal O Globo