A construção de uma agenda comum, o retorno das questões estruturais, a ênfase na solidariedade e na ternura como suportes fundamentais na resposta à epidemia e a relação das ONGs AIDS e o movimento social foram as principais reflexões destacadas por Richard Parker após três dias do “Seminário em Capacitação em HIV – Aprimorando o Debate III”.
Para o diretor-presidente da ABIA, o debate gerou conteúdos para potencializar a ação da mobilização. “Queríamos que este seminário fomentasse o debate. E, de fato, não faltou debate desde o início das discussões, com a participação ativa e plural de os/as participantes. Que isso sirva de motim para definirmos juntos, com solidariedade e interseccionalidade, em que direção e como devemos seguir daqui pra frente”, disse.
A interseccionalidade e o combate as violências estruturais, como o racismo, permearam o debate do último dia do encontro. A mesa de encerramento tratou do tema “Valorizando a vida e traçando o futuro” e teve como palestrantes Athayde Motta, diretor-executivo do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase); Carla Almeida, representante da Secretaria Política da Articulação Nacional de Luta Contra a AIDS (ANAIDS) e voluntária do Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS (GAPA/RS); e Jean Vinicius, ativista em HIV/AIDS, juventude negra e mobilizador social do projeto “Tuberculose nas prisões”, da Fiocruz. A mediação foi da jornalista Angélica Basthi.
Motta fez uma reflexão sobre o avanço do conservadorismo e da agenda moral cristã sobre as políticas públicas. Segundo ele, é preciso dar atenção às populações mais vulneráveis e aos temas da intolerância religiosa e da sexualidade. “Precisamos estar atentos aos grupos mais fragilizados nesse contexto: mulheres, indígenas, negros, LGBTs e desenvolver uma abordagem de enfrentamento à intolerância religiosa e aos ataques à sexualidade. Estamos diante de uma heteronormatividade doentia e de um moralismo cristão que prega a morte, a destruição de tudo aquilo que, segundo a ótica deles, é questionável”, salientou.
Gênero e raça
Já Carla Almeida, além de compartilhar sobre a trajetória da ANAIDS, destacou a ausência de debates sobre as desigualdades e a violência de gênero na mobilização da resposta à epidemia. “Nós abraçamos o discurso de que as mulheres não são vulnerabilizadas pelo HIV, num contexto em que o machismo e a desigualdade de gênero matam milhares de mulheres e matam de AIDS também” afirmou, prosseguindo com a denúncia “a situação é tão absurda que sequer questionamentos a adesão a uma tecnologia medicamentosa como o Dolutegravir, que não é recomendável para mulheres em idade fértil. Como fica a situação das mulheres que querem ser mães?, questionou.
O tema provocou a reação das mulheres da plateia, que compartilharam suas experiências. “Essa questão me toca muito porque sou mãe soropositiva. Assim que eu dei luz fui discriminada por não poder alimentar a minha filha. Nem eu e nem ela tivemos o amparo dos profissionais de saúde no hospital. Me dói muito saber que isso ainda ocorre com muitas mulheres e jovens que vivem com o HIV”, relatou Vanessa Campos, do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas de Manaus.
A exposição de Jean Vinicius sobre o enfrentamento do racismo estrutural também mobilizou bastante os participantes. “As estruturas e aparelhos do Estado no Brasil são essencialmente colonialistas e racistas. Os dados epidemiológicos informam claramente que é a raça determina o acesso aos serviços de saúde, à testagem, ao tratamento, e também quem vive e quem morre em decorrência da AIDS hoje no país”, pontuou.
A ativista Medianeira Gonçalves, da cidade de Viamão, no Rio Grande do Sul, relatou a sua experiência e dificuldades como mulher negra para o acesso aos direitos naquele estado. “Faço parte de uma organização que acolhe portadores de HIVe a maior parte são mulheres e mulheres negras. É impressionante a dificuldades que temos em conseguir qualquer tipo de recursos. Nos tratam com descaso”, desabafou. “No âmbito pessoal também sofri muito racismo nos serviços de saúde, de não quererem me dar remédios ou anestesia por que sou de raça ‘forte’ e negligenciarem o atendimento, relatou Med.
O “Seminário de Capacitação em HIV – Aprimorando o Debate III” é organizado pela ABIA em parceria com o Ministério da Saúde. O objetivo foi estimular e aprimorar o conhecimento multi-setorial e multidisciplinar sobre a epidemia de HIV/AIDS no país. A iniciativa prevê a realização de mais três seminários de capacitação nas Regiões Sul e Sudeste do Brasil. As datas, locais e protocolos para participação nas próximas atividades serão divulgados no site e redes sociais da ABIA.
Confira a seguir os textos que serviram como base de apoio para os debates conduzidos durante os três dias do “Seminário de Capacitação em HIV – Aprimorando o Debate III”.
https://abiaids.org.br/wp-content/uploads/2019/03/8-Bem-vindos-ao-século-21-1.pdf
https://abiaids.org.br/wp-content/uploads/2019/03/7-Políticas-Instituições-e-AIDS-1.pdf
https://abiaids.org.br/wp-content/uploads/2019/03/6-Parker-Sobre-a-história-da-ABIA-2.pdf
Colaborou Maria Lúcia Meira *
*Estagiária sob a supervisão da jornalista Angelica Basthi