Na terça-feira (03/09), Bolsonaro tuitou que ordenou ao Ministério da Educação que redija um projeto de lei para proibir a difusão da “ideologia de gênero” em escolas primárias públicas. JMB baseou o seu pedido numa opinião emitida pela Advocacia Geral da União (AGU) em resposta a uma ação no Supremo Tribunal Federal que questionava a constitucionalidade de uma lei municipal antigênero de Londrina (PR).
Essa é a primeira vez que JMB demandou abertamente que uma lei antigênero seja proposta. Contudo, desde 2015, dezesseis projetos de lei antigênero foram propostas no Congresso, dos quais a maior parte foi proposta em 2019 e por proponentes membros da base congressista de JMB. Seis dessas proposições visam impor sanções penais à difusão da “ideologia de gênero”. O Observatório de Sexualidade e Política (SPW, sigla em inglês), secretariado pela ABIA, preparou um breve informe.
“A potencial proposição pelo Executivo de uma lei como essa vai elevar a relevância da matéria
no Congresso e, em consequência, propalar o processamento de outras propostas (inclusive
apensando uma a outra). Este pedido também dá margem para que essas restrições se
expandam a outros níveis da educação”.
Simultaneamente, o governador de São Paulo João Doria (PSDB), que compete contra JMB pelo eleitorado conservador, utilizou a oportunidade para também tuitar contra a “educação de gênero” e ordenou a suspensão imediata de livros que abordavam questões como doenças sexualmente transmissíveis, uso de preservativo, gravidez na adolescência, diversidade sexual, orientação sexual e identidade de gênero.
Anteriormente, o governador de Santa Catarina Carlos Moisés, também membro do PSL, publicou um vídeo no YouTube no qual declarava que proibiria a “ideologia de gênero” no sistema público de educação. Em resposta, onze entidades científicas e de direitos humanos nacionais assinaram um manifesto em repúdio à medida:
“Tememos que, ao ceder a pressões de natureza fundamentalista, que nada têm a
ver com os debates qualificados dos profissionais da educação, o governo esteja
iniciando um movimento na contramão da escola democrática, científica e livre de
preconceitos que todos defendemos.”
Não parece fortuito que o ataque virulento de JMB contra gênero tenha se materializado exatamente depois que a mais nova pesquisa de opinião do Datafolha tenha sido publicada. O resultado da pesquisa revela que a desaprovação de JMB subiu de 33% para 38% e é mais expressa entre mulheres (43%), negros (51%), nordestinos (52%), desempregados (48%) e pessoas que recebem mais de dez salários mínimos (46%).
Para além da educação, o rechaço a gênero reitera práticas e discursos conservadores que contribuem para o desmantelamento das diretrizes das políticas de saúde sexual e reprodutiva, como a política de prevenção ao HIV/AIDS e outras ISTs. O apagamento desse conteúdo tem, na verdade, um impacto direto na vida das populações mais vulnerabilizadas no Brasil hoje e é também um reflexo do ataque mais amplo promovido contra os direitos humanos e a democracia. Como argumentam as entidades, os estudos de gênero e sexualidade permitem a identificação de mecanismos de desigualdade e opressão, especialmente contra as populações mais marginalizadas, como as mulheres e a população LGBT em suas interseccionalidades étnico-raciais, geracionais e de deficiência e, não à toa, são um dos alvos privilegiados por atores conservadores.