O Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), coordenado pela ABIA, denuncia que, em vez de permitir maior produção de vacinas e medicamentos contra a Covid-19, a Lei 14.200, publicada em 3 de setembro, retira a obrigatoriedade dos fabricantes de transferir tecnologia e mantém o Brasil refém de farmacêuticas em plena pandemia.
Para o GTPI, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mostrou a que veio: desfigurou completamente o projeto de lei que liberava as patentes de vacinas e medicamentos, vetando sua aplicação durante a pandemia de Covid-19 e mantendo nas mãos dos grandes laboratórios a decisão de compartilhar ou não informações para produção de tecnologias de saúde. Nesta sexta-feira, o Diário Oficial da União publicou a Lei 14.200/2021, que foi aprovada por ampla maioria no Congresso Nacional (PL 12/2021) para ampliar e baratear o acesso dos brasileiros a esses fármacos.
Com o veto dos parágrafos 8, 9 e 10 do artigo 2, Bolsonaro livrou as empresas detentoras de patentes da obrigação de fornecer informações e mesmo material biológico para que sejam produzidos os fármacos que teriam suas patentes liberadas pela lei. Além disso, foi vetado o artigo 3, que estabelecia a aplicação da nova lei já na pandemia de Covid-19. Além da Lei, em nota oficial, o governo afirmou que não utilizará licenças compulsórias para a pandemia de Covid-19. O parágrafo 17 do artigo 2, que conferia aos parlamentares a prerrogativa de decretar a licença compulsória em caso de negligência do executivo, também foi vetado.
O projeto de lei aprovado pelo Congresso ampliava um mecanismo já existente no Brasil, de tornar compulsórias as licenças de fabricação ou importação de fármacos essenciais à saúde pública. Em 2007, o instrumento foi usado para baratear e oferecer a mais pessoas um dos medicamentos de tratamento da Aids, cujo monopólio estava sob as mãos de uma empresa norte-americana. Pela nova lei, a licença compulsória, conhecida como quebra de patente, poderia ser usada de forma mais ágil pelo governo em casos de pandemia. No entanto, os vetos prejudicam a efetividade do mecanismo. O GTPI vai recorrer aos parlamentares para que os vetos sejam derrubados no Congresso Nacional.
“A obrigatoriedade do compartilhamento por parte do titular de todas as informações necessárias para a reprodução da tecnologia licenciada e o fornecimento de material biológico é parte fundamental desse projeto. O sistema de propriedade intelectual é dinâmico e é importante que as legislações para lidar com os problemas gerados estejam atualizadas e tragam instrumentos efetivos para o poder público”, afirma o doutor em Ciências Humanas e Saúde Pedro Villardi, que representa a ABIA na coordenação do GTPI.
Se restabelecida sem vetos, a lei criará um novo mecanismo para o licenciamento compulsório de patentes, garantindo ao país mais oportunidades de importação ou produção local de medicamentos, vacinas, diagnósticos e outros produtos de saúde. O objetivo é assegurar que regras de propriedade intelectual não criem situações de desabastecimento ou abuso de preço e inviabilizem o acesso da população.
“O veto presidencial desmonta essa iniciativa do Congresso brasileiro, que é hoje uma das mais promissoras no mundo quando se trata de corrigir os desequilíbrios que as patentes estão causando na distribuição equitativa de vacinas e medicamentos”, afirma Felipe de Carvalho, Coordenador da Campanha de Acesso de Médicos Sem Fronteiras (MSF) e integrante do GTPI.
O projeto sofreu oposição de empresas farmacêuticas, que hoje controlam a produção e distribuição de vacinas e tratamentos. “A atuação das grandes multinacionais do setor tem sido marcada por faturamentos bilionários, aumentos regulares de preço, priorização da demanda de países ricos e relutância em compartilhar conhecimentos que permitam ampliar a produção e distribuição de vacinas”, avalia Villardi.
Fonte: GTPI