O dia 1º de dezembro marca a luta internacional contra a AIDS. No Brasil, a doença atinge 734 mil pessoas, de acordo com o último Boletim Epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde. O país chega a 2014 com 29% a mais de pessoas em tratamento com antirretrovirais pelo SUS, na comparação com 2013. Isso representa cerca de 400 mil pessoas em terapia com estes medicamentos, somente este ano. Segundo a pesquisadora do Departamento de Ciências Sociais da ENSP Monica Malta a estratégia de tratamento como prevenção foi considerada pela RevistaScience a descoberta do ano em 2011. No entanto, é uma estratégia controversa e que tem sido criticada por Organizações Não Governamentais, ativistas pelos direitos humanos e pesquisadores, por incluir pontos positivos e negativos.
De acordo com Monica Malta, a nova campanha do Ministério da Saúde, apresentada no Dia Internacional de luta contra a Aids tem como foco principal a estratégia de tratamento como prevenção. Embora a promoção do uso de preservativos ainda seja a principal estratégia preventiva, o Departamento de DST/AIDS e Hepatites Virais tem estimulado a testagem e, o início imediato do tratamento antiretroviral para as pessoas com resultado positivo para o HIV. O tratamento tem como objetivo reduzir a carga viral de HIV em pessoas positivas. Alcançada e mantida essa carga viral indetectável, a chance de transmissão do HIV é muito pequena.
Para a pesquisadora, em contextos onde a epidemia de HIV está concentrada em populações mais vulneráveis, como é o caso da grande maioria dos estados brasileiros, realizar campanhas baseadas na chamada ‘prevenção combinada’, que estimula o teste e o início do tratamento de forma precoce, em tese, deveriam levar a um maior controle da epidemia. “A campanha tem como público alvo os jovens, população na qual a taxa de prevalência de Aids tem crescido mais, e tem como slogan #partiu teste. A mensagem principal é reforçar a importância do uso da camisinha, mas também estimular a realização do teste anti-HIV e início precoce do tratamento antiretroviral para aqueles com resultado positivo”, explicou Monica.
Mesmo sendo considerada pela RevistaScience – umas das revistas mais importantes da área médica – a descoberta do ano de 2011, a estratégia de tratamento como prevenção é controversa e vem sendo criticada por ONGs, ativistas pelos direitos humanos e pesquisadores. De acorco com Monica Malta, para o pesquisador do Imperial College London, Geoffrey Garnet, essa estratégia reflete o melhor e pior da saúde pública. Para ele, os pontos positivos incluem a prevenção de morbidade e mortalidade da população através do início cedo do tratamento e redução da disseminação do HIV. Mas os pontos negativos incluem o que ele chama de over-testing ou over-treatment, possibilidade de efeitos colaterais, resistência aos medicamentos e potencial redução da autonomia do indivíduo.
Segundo Monica, alguns representantes de ONGs receiam que essa política possa levar à adoção de testagem ou até mesmo de tratamento compulsório. O pesquisador Geoffrey Garnett aponta ainda que um sucesso parcial desta estratégia de testar e tratar poderia levar à uma concentração ainda maior do HIV/AIDS em grupos mais vulneráveis, como usuários de drogas, travestis, transexuais, trabalhadores do sexo e homossexuais. Estes grupos enfrentam barreiras adicionais que incluem a vivência de estigma, violência e mal acolhimento nos serviços de saúde. Como resultado eles tendem a não realizar o teste anti-HIV, e os que realizam e recebem resultado positivo, retardam o início do tratamento antirretroviral acessando os serviços de saúde em estágios mais avançados da infecção.
“Portanto, para além da oferta de testagem e tratamento medicamentoso, é imprescindível pensarmos e elaborarmos estratégias voltadas para a redução das vulnerabilidades diversas. Mudanças estruturais precisam fazer parte do pacote de tratamento e prevenção e devem ser pensadas, elaboradas e implementadas em parceria com os grupos mais afetados e a sociedade civil organizada, ou tenderão ao fracasso”, enfatizou Monica Malta.
Desafios e perspectivas da AIDS no Barsil
Passadas três décadas da epidemia de HIV/AIDS, o Brasil ainda se depara com problemas importantes que dificultam a elaboração de respostas ágeis e adequadas às necessidades específicas do país. “Na verdade, se percebe no Brasil não uma única epidemia de HIV/AIDS uniforme no país, e sim um mosaico de epidemias muito diversas em cada região. Temos uma epidemia concentrada na maioria dos Estados, mas uma epidemia generalizada no Rio Grande do Sul, com prevalência em torno de 2%, ou seja, cinco vezes maior do que a prevalência nacional de 0,4%”, detalhou.
O sistema de monitoramento da epidemia de HIV/AIDS ainda é muito falho. Segundo a pesquisadora, ao tentar analisar os dados nacionais encontra-se um banco de dados com qualidade ruim, que dificulta significativamente a análise de tendências nacionais e regionais. Para Monica, a epidemia brasileira, embora seja considerada como uma epidemia estabilizada, estabilizou-se em patamares muito elevados. Nos últimos cinco anos foram registrados uma média de 40 mil novos casos de AIDS. Isso que dizer que 40 mil pessoas por ano estão contraindo uma infecção séria, até o momento incurável, cujo tratamento se baseia em medicamentos caros, que podem causar efeitos colaterais importantes, entre diversas outras questões.
Além disso, Monica citou que vêm sendo observado também um crescimento de casos de Aids nas gerações nascidas entre os anos 1990 e 2000. Segundo ela, são infecções recentes que estão ocorrendo em jovens nascidos na chamada era Pós Aids, que foram exaustivamente expostos a mensagens de prevenção e informação. “Jovens que já iniciaram a vida sexual sabendo o que é Aids e como se prevenir estão sendo infectados. Infelizmente estamos falhando em prevenir o HIV/AIDS”, lamentou ela.
Mortalidade por HIV/AIDS ainda é um problema no Brasil
A mortalidade por AIDS também é outro grave problema no país. Apesar do Brasil possuir uma política de acesso gratuito e universal ao tratamento para HIV/AIDS, em dez anos o coeficiente de mortalidade pouco diminuiu: 6,1/100 mil habitantes em 2004, para 5,7/100 mil habitantes em 2013. Desde 2008, foram notificados aproximadamente 12.000 óbitos ao ano, mesmo número de óbitos registrado em 1997, quando começou o acesso universal. Para Monica Malta isso representa uma queda muito pequena se pensarmos que todas as pessoas vivendo com HIV/AIDS poderiam, e deveriam, estar sendo acompanhadas e tratadas.
“Nossos pacientes recebem o diagnóstico tardiamente, chegam ao serviço de saúde em estágios avançados da infeção e não raro descontinuam o tratamento diversas vezes. Estamos falhando na assistência a esses pacientes, por muitos motivos, entre eles, a existência de serviços super lotados, ocasionando a demora em conseguir agendamento de consultas e resultado de exames; a rotineira falta de medicamentos antiretrovirais em unidades dispensadoras; e a dificuldade em obter tratamento para coinfecções e agravos em saúde diversos.
A pesquisadora citou ainda que existe uma diretriz que aponta que pessoas vivendo com HIV/AIDS sejam atendidas em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e não mais em serviços especializados. Segundo ela, o encaminhamento do paciente para a UBS mais próxima a sua residência compromete a manutenção do sigilo e confidencialidade do paciente acerca da infecção pelo HIV. A diretriz tem sido discutida e questionada por muitos profissionais, por diversas questões que incluem o atendimento em serviços precários, ainda mais superlotados que os serviços especializados, e o atendimento por médicos clínicos gerais, e não por profissionais que possuem treinamento específico em infectologia e manejo clinico do HIV.
Por fim, Monica Malta afirmou que o cenário ainda é bastante difícil, mas certamente passados 30 anos de epidemia já acumulamos conhecimento e experiência suficiente para elaborar e implementar respostas eficazes. “Precisamos agir com urgência e retomar o trabalho conjunto entre academia, sociedade civil e governo, que tantas transformações positivas trouxem para o Brasil no início da epidemia. O que não podemos é esperar, pois 40 mil novas pessoas infectadas a cada ano é muito, e 12 mil óbitos por AIDS ao ano, é um número inadmissível. Precisamos trabalhar para alcançar as metas lançadas pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o HIV/AIDS no Brasil (Unaids) e desejadas por todos nós: zero novas infecções, zero mortes relacionadas à AIDS e zero discriminação”, defendeu a pesquisadora.
Fonte: Portal Fiocruz