Prostitutas, pessoas trans, moradores de rua e juventude negra. Essas foram as vozes ouvidas na mesa “Ações de resistência, combate ao estigma, ao pânico moral e à violência estrutural” que encerrou o 2º Seminário de Capacitação em HIV – Aprimorando o Debate III, cujo tema foi “Estigma, Pânico Moral e Violência Estrutural”. Organizado pela Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), o seminário aconteceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
O despreparo dos profissionais de saúde e falta de acesso aos serviços de saúde foram alguns dos problemas relatados por Cleonice Araújo, coordenadora da Rede Nacional de Travestis e Transexuais Vivendo e Convivendo Com HIV/AIDS da ONG Construindo Igualdade; Edison Campos, membro do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) e Jean Vinicius, educador social e ativista nas questões referentes ao HIV/AIDS, juventude negra e LGBTQ.
Araújo, por exemplo, chamou a atenção para as abordagens em prevenção que não levam em consideração as especificidades dos corpos de pessoas trans, e não dialogam com a realidade e rotina de travestis e profissionais do sexo. Também questionou a falta de preparo dos profissionais de saúde para lidar com essas populações: “Os prestadores de serviços são terceirizados, os agentes de saúde são terceirizados. E às vezes são pessoas preconceituosas e isso pode afastar ainda mais as pessoas trans e travestis dos serviços de saúde. Não somos percebidos como seres humanos naquele espaço, aliás, na sociedade em geral”, denunciou.
Sem acesso
A falta de preparo e de assistência adequada dos serviços de saúde para a população de rua também foi a principal crítica do representante do Movimento Nacional da População de Rua. A pergunta sobre como pensar a integralidade no atendimento de saúde para as pessoas que vivem nas ruas foi feita por Campos ao relatar a dura realidade que enfrenta no dia a dia. “É preciso pensar o atendimento integral em saúde, pois portas são fechadas para nós: enfrentamos a dificuldade em chegar a um posto de saúde, de não conseguir marcar uma consulta por não ter endereço certo, não ser atendido por estar sujo ou com mal cheiro…”, indagou.
Há ainda barreiras em relação ao tratamento do HIV e da AIDS para a população de rua. “Há medicações pesadas que dão efeitos colaterais que podem ser graves para quem mora na rua, não tem onde ficar e precisa se locomover pela cidade. E não é só no caso do HIV/AIDS, mas também da tuberculose, e outras doença crônicas ”, lembrou.
O impacto do racismo estrutural na saúde da população negra foi o tema apresentado pelo ativista nas questões referentes ao HIV/AIDS, juventude negra e LGBTQ, Jean Vinicius. Para ele, o enfrentamento da violência estrutural só será possível se a sociedade entender o racismo como um fenômeno estrutural e estruturante das relações sociais no Brasil. “A partir desta compreensão será preciso operacionalizar a empatia e a interseccionalidade. No caso do HIV/AIDS, é pensar em como afeta a população negra, que é quem mais morre por AIDS hoje no país. Precisamos olhar para nossa história, valorizar nossa memória e a contribuição das pessoas que mais são afetadas por essas violências que estão aqui agora “ pontuou.
Já as prostitutas, na voz de Betânia Santos, reivindicaram o direito à voz e o reconhecimento da sua luta pela sociedade. “O movimento de prostitutas repudia a exploração infantil e a violência sexual. Atuamos contra isso, mas não somos reconhecidas pelo movimento social e nem pelos setores governamentais para enfrentar este”, afirmou. Betânia também reivindicou a ressignificação da palavra “puta”. “As minhas filhas são as filhas da ‘puta´e elas não fizeram nada de errado por serem quem são”, concluiu.
O Projeto Aprimorando o Debate III é uma parceria da ABIA com o Ministério da Saúde e prevê a realização de quatro seminários de capacitação nas regiões Sul e Sudeste do Brasil ao longo de um ano. A 3ª edição do Seminário de Capacitação em HIV – Aprimorando o Debate III acontecerá de 26 a 28/07 no Rio de Janeiro e terá como tema a “Prevenção das ISTs/AIDS: novos desafios na quarta década da epidemia”.
Confira também os textos que serviram como base para os debates conduzidos durante os três dias do “2º Seminário de Capacitação em HIV – Aprimorando o Debate III” a seguir:
Entrevista com Richard Parker (https://bit.ly/2Lyqwl5)
Livro Vida Antes da Morte, de Herbert Daniel (https://bit.ly/2H8YJCs )
Artigo “O vírus de todos nós” (https://bit.ly/2PStQ9k )
Boletim ABIA nº 60 (https://bit.ly/2H6tA2n )
Coleção ABIA ” Cidadania e Direitos, Nº 1 – Estigma, Discriminação e AIDS” (https://bit.ly/2Wv5ogw)
Lei nº 12.984, de 2 de junho de 2014 (https://bit.ly/2x9QYu4)
Reportagem: Maria Lucia Meira (estágio)
Edição e supervisão: Angélica Basthi