Durante a cerimônia de abertura do 11º Congresso de HIV\AIDS e 4º Congresso de Hepatites Virais, o destaque da noite foi a leitura da carta : “AIDS no Brasil: o que não quer calar” assinada pelo Movimento de Luta contra a AIDS e do Movimento de Luta contra as Hepatites Virais.. Em 2012, docentes, pesquisadores e integrantes da sociedade civil lançaram o manifesto: “AIDS no Brasil: o que nos tira o sono” já preocupadas com a resposta à epidemia na ocasião.
A carta “AIDS no Brasil: o que não quer calar”denuncia os graves problemas enfrentados pelas pessoas afetadas pela epidemia e questiona o papel do Estado em atender as principais necessidades destas comunidades. “Não quer calar o fato que a cada hora, duas pessoas morrem de AIDS no Brasil. Quem morre de AIDS? Porque morre de AIDS? O que falha na assistência? Não quer calar o agudo crescimento do número de casos, especialmente entre os jovens. O que falha na prevenção?”.
A diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV\AIDS e das Hepatites Virais, Adele Benzaken, fez um melhores discursos oficiais dos últimos congressos realizados pelo Ministério da Saúde. Benzaken exaltou as pessoas que vivem com HIV e AIDS e as comunidades afetadas, incluindo os jovens. Ela lembrou que a resposta brasileira à epidemia de AIDS sempre foi construída em conjunto com o movimento social e as comunidades afetadas. A diretora também lembrou que o preconceito, a discriminação e o estigma tem afetado de forma violenta a vida das pessoas que vivem com HIV e AIDS, ainda que isto não apareça nos boletins epidemiológicos.
Leia a carta “AIDS no Brasil: o que não quer calar”na íntegra a seguir.
AIDS no Brasil: o que não quer calar
Em pleno 2017, após ter dedicado ao longo de décadas nosso suor a superação dos maiores obstáculos sociais, econômicos e político no enfrentamento do HIV/AIDS, nós, ativistas do movimento social de luta contra a AIDS, constatamos que um clima de incerteza e angustia paira sobre a resposta brasileira, trazendo consigo os fantasmas do estigma, do conservadorismo, da precarização, da violência estrutural e da inércia política. Precisamos de medidas urgentes para que tenhamos um sério debate nacional sobre os acertos e falhas da resposta à AIDS. Também é urgente reafirmar conquistas e princípios que sustentam social e ideologicamente nosso direito constitucional à saúde. Não é mais possível seguir tapando o sol com a peneira, ou, no caso brasileiro, seguir tapando o desmonte do SUS aderindo a vistosas metas globais.
Convocamos os gestores, pesquisadores, profissionais de saúde, estudantes, jornalistas e todos os demais setores da sociedade a juntar suas vozes ao movimento social numa avaliação profunda, honesta e transparente sobre como priorizar o que a resposta à AIDS no Brasil tem de melhor e sobre como eliminar de vez aquilo que nos prende a um passado de pânico moral, exclusão social, sofrimento e morte civil.
O primeiro passo é o reconhecimento de que muito precisa ser dito, de que existem muitos gritos entalados, muita coisa que não quer calar.
- Não quer calar o fato que a cada hora, duas pessoas morrem de AIDS no Brasil. Quem morre de AIDS? Porque morre de AIDS? O que falha na assistência?
- Não quer calar o agudo crescimento do número de casos, especialmente entre os jovens. O que falha na prevenção?
- Não quer calar o fato de que existem quase 12.000 pessoas co-infectadas com HIV e HCV, e que não existem metas para alcançá-las, apesar destas pessoas serem público prioritário para o tratamento com os medicamentos mais avançados, desde 2015.
- Não quer calar as propostas de fim de destinação específica de recursos para a AIDS, que ameaçam a já abalada rede de atenção e cuidado, num momento em que cada vez mais pessoas são colocadas em tratamento com cada vez menos garantias sobre a atenção que irão receber.
- Não quer calar as incertezas sobre as compras de ARVs, com estoques cada vez mais reduzidos nos Estados e episódios frequentes de desabastecimentos
- Não quer calar que os já poucos recursos da saúde são assaltados pela ganância de empresas farmacêuticas transnacionais, que cobram preços absurdos por medicamentos essenciais e outros insumos, como exames de carga viral.
- Não quer calar a falta de apoio às ONGS que tanto contribuíram para as inúmeras inovações que colocaram o Brasil na vanguarda mundial da luta contra a AIDS
- Não quer calar o descompromisso com a centralidade dos direitos humanos nas políticas públicas de saúde, o que contribui para um ambiente de violações de direitos, desrespeito e violência.
Conclamamos a sociedade como um todo a se dedicar a ações que encarem de frente esses desafios. Exigimos que as gestões municipais, estaduais e nacional parem imediatamente de fingir que a resposta brasileira ao HIV ainda é modelo e desenvolva abordagens com centralidade nos direitos humanos, com horizontalidade e que efetivamente respondam aos desafios que apontamos acima.
Curitiba, 26 de setembro de 2017
Movimento de Luta contra a AIDS
Movimento de Luta contra as Hepatites Virais