Em nota, a Rede GayLatino e Aliança Nacional LGBTI faz um pronuncionamento histórico sobre o HIV na população LGBT e convoca a todos para a mobilização e realização de ações alinhadas em todo o Brasil, envolvendo os governos, agências internacionais, financiadores(as) e organizações da sociedade civil, para reverter a alarmante tendência do aumento da infecção pelo HIV e sífilis entre jovens gays. Leia nota na íntegra a seguir:
Nota Oficial da Rede GayLatino e da Aliança Nacional LGBTI – Chamado para Ação
Por uma (re)pactuação de uma nova resposta comunitária e governamental frente à epidemia de HIV/AIDS e IST junto a jovens gays e outros HSH no Brasil
Conclamamos nossos(nossas) afiliados(as) e aliados(as), bem como governos em todo o Brasil (municípios, estados e Distrito Federal), agências internacionais e financiadores(as) para oferecerem e incentivarem a prevenção combinada do HIV/AIDS e da sífilis entre jovens gays e outros HSH, para que se pactuem, financiem e implementem ações concretas para conter o avanço da epidemia nesta população-chave.
Considerando que a infecção pelo HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis está conectada a diversos aspectos como a alta estigmatização desta população-chave, o preconceito, a discriminação e a violência em razão da orientação sexual e identidade de gênero, como também a violação de direitos, dificultam o acesso efetivo a prevenção combinada e ao Sistema Único de Saúde.
Considerando que a interseccionalidade entre orientação sexual, raça, etnia, gênero, classe econômica, idade, territorialidade, entre outras dimensões dos sujeitos, que carregadas pelo estigma e discriminação, ampliam as vulnerabilidades de gays e outros homens que fazem sexo com homens, especialmente jovens, para a infecção pelo HIV e outras ISTs.
Considerando que apesar da difusão mais ampla sobre os meios e riscos de transmissão do HIV, há uma tendência assustadora de aumento na proporção de casos de HIV notificados em gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH), passando de 43,8% do total dos casos masculinos em 2007, para 59,4% em 2015;
Considerando que cerca de 25% dos novos casos de HIV estão concentrados em jovens com idade entre 15-24 anos, pertencentes ao segmento populacional de gays e outros HSH;
Considerando que pesquisa RDS (respondent driven sampling), realizada em 2016, estimou em 18,4% a média da prevalência do HIV entre gays e outros HSH, representando um aumento de 6,5% em relação à estimativa de 12,1% da mesma pesquisa RDS realizada em 2009; e que outra pesquisa também realizada em 2016, com jovens conscritos masculinos das Forças Armadas, encontrou prevalência geral de HIV de 0,12%, indicando que a taxa encontrada entre gays (18,4%) no mesmo ano é 153 vezes maior;
Considerando que a pesquisa RDS de 2016 observou uma prevalência média de 27,6% em relação a sífilis entre gays e outros HSH, enquanto a pesquisa com conscritos masculinos das Forças Armadas encontrou taxa de 1,09%, apontando que a taxa de sífilis entre gays e outros HSH 25 é vezes maior;
Considerando que um dos motivos que explica esse cenário epidemiológico são as vulnerabilidades sociais e especificidades que jovens gays e HSH, na faixa etária de 15-24 anos, vivenciam, como por exemplo, a dificuldade de acesso a serviços de saúde e a falta de abordagens que acolham aspectos e questões específicas, relacionadas a orientação sexual e identidade de gênero, o que impossibilita um atendimento humanizado e qualificado em relação as sexualidades dessas juventudes;
Considerando a importância do diálogo, autônomo e democrático, e sem hierarquização, entre a sociedade civil, a comunidade científica, a gestão de políticas de prevenção e atenção em HIV/aids e outras IST e demais setores da saúde visando à saúde integral dessa população -chave, nos três níveis de governos;
Considerando que os princípios e as diretrizes da Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde – SUS (art. 7º, VII da Lei 8080/1990), determinam que a epidemiologia deve ser utilizada para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática;
Considerando que no nível internacional, federal, estaduais e municipais há muitos anos houve enorme diminuição do financiamento para projetos e programas comunitários de prevenção de HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (IST) com jovens gays e outros HSH;
Considerando que o Brasil tem uma Política Nacional de Saúde Integral LGBT, que tem entre suas diretrizes, a “inclusão da diversidade populacional nos processos de formulação, implementação de outras políticas e programas voltados para grupos específicos no SUS, envolvendo orientação sexual, identidade de gênero, ciclos de vida, raça-etnia e território”;
Considerando que o conceito de prevenção combinada abrange a minimização de risco de infecção; a promoção de preservativos e lubrificantes; o aconselhamento e a testagem voluntária para HIV; a profilaxia pré e pós-exposição; o tratamento como prevenção, bem como o diagnóstico e o tratamento das IST, o que significa aproveitar e oferecer uma diversidade de opções de prevenção, combinando-as conforme apropriado para cada indivíduo, sempre alicerçado nos direitos humanos e em evidências científicas, com amplo processo de diálogo e monitoramento das ações governamentais pela sociedade civil.
CONCLAMAMOS todas as pessoas para a mobilização e realização de ações alinhadas em todo o Brasil, envolvendo os governos, agências internacionais, financiadores(as) e organizações da sociedade civil, para reverter a alarmante tendência do aumento da infecção pelo HIV e sífilis entre jovens gays, e apresentamos como sugestões, sem prejuízo de outras ações existentes:
1 – Fortalecer redes de organizações virtuais e presenciais para transmitir mensagem que incentive a adoção de atitudes de prevenção combinada, transformando-a num valor cultural, bem como que essas organizações procurem ter pelo menos 40% de participantes jovens gays;
2- Incentivar os coletivos estudantis do ensino médio e das universidades e outras coletividades e movimentos juvenis, bem como as redes e mídias sociais, que representam novas formas de articulação horizontal e digital do movimento LGBTI+ brasileiro, a se engajarem na sensibilização quanto à prevenção combinada, com projetos e ações apoiadas pelos três níveis de governo;
3 – Buscar a colaboração de provedores de aplicativos de relacionamento entre gays e outros HSH, assim como locais de entretenimento voltados para este público para que também se engajem na sensibilização quanto à prevenção combinada e que as políticas governamentais financiem iniciativas nesse sentido;
4 – Incentivar os(as) organizadores(as) das Paradas e Marchas LGBTI+ a incluírem a temática da prevenção combinada do HIV e das IST entre jovens gays e outros HSH em suas mobilizações, implementando projetos de interação comunitária em parceria com os programas federal, estaduais e municipais de IST-HIV/Aids;
5 – Exigir dos governos municipais, estaduais e federal investimento proporcional à epidemia, com diálogo efetivo e monitoramento da sociedade civil, priorizando a prevenção entre jovens gays e outros HSH, em consonância com os dados epidemiológicos, conforme estipula a Lei Orgânica do SUS;
6 – Estudar, com os Ministérios Públicos e Defensorias Públicas estaduais e federais, ações para garantir que os recursos da saúde pública sejam aplicados também para a comunidade de jovens gays, em especial para a prevenção do HIV;
7 – Fortalecer ainda mais as iniciativas do UNAIDS e de todas as agências da ONU, as quais poderão fazer uma sinergia para aplicação dos recursos e o fortalecimento do diálogo, controle social e monitoramento das políticas de prevenção implementadas pelos governos;
8 – Pugnar nos níveis internacional, federal, estadual e municipal por investimentos para campanhas prevenção para jovens gays e outros HSH, valorizando e reconhecendo a experiência acumulada pelas populações-chaves e da sociedade civil;
9 – Enfrentar com todas as nossas forças e com planos de advocacy e mobilização comunitária o avanço do fundamentalismo e do extremismo político contra as campanhas de HIV/aids, fundamentando-se nos Direitos Humanos e na Cidadania Plena;
10 – Levantar e propor pautas para a grande mídia com esses dados alarmantes descritos acima, para a divulgação de reportagens aprofundadas e comprometidas com a promoção da saúde e cidadania, sem sensacionalismo e alarmismos, no entanto chamando a atenção para o momento grave da pequena atenção dos governos para essa problemática e a necessidade do engajamento dos jovens gays e da sociedade civil;
11 – Assumir, em todo o país e em todos os níveis de governo, as metas 90-90-90, ou seja, atuar para alcançar, até 2020, 90% das Pessoas Vivendo com HIV (PVHIV) diagnosticadas, dessas diagnosticadas, 90% delas em Terapia Antirretroviral (TARV) e dessas em tratamento, 90% delas atingindo a carga viral indetectável (<1.000), uma vez que a pessoa HIV positiva com carga viral indetectável tem apenas 7% de chances de transmitir o vírus para outra pessoa em uma eventual relação sexual desprotegida (http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1600693#t=article), aproveitando assim o tratamento como forma de prevenção, sem abandonar outras práticas e métodos de prevenção sexual mais segura, reconhecendo que as tecnologias biomédicas devem ser ancoradas na resposta e mobilização comunitária, uma vez que sozinhas, não tem capacidade de mudar o quadro da epidemia. As tecnologias biomédicas dependem do sucesso da mobilização comunitária;
12 – Participar das conferências de saúde, em todos os níveis, sempre exigindo do Estado brasileiro campanhas educativas específicas e de caráter contínuo, incluindo a educação formal e não-formal, para fazer o controle social, o advocacy (incidência política) e a accountability (responsabilização) dos municípios, dos estados e do Governo Federal, inclusive no que diz respeito à contenção da infecção pelo HIV entre jovens gays e outros HSH;
CONCLAMAMOS PRINCIPALMENTE pelo desenvolvimento de projetos e programas de caráter contínuo e dotado de recursos, com construção dialogada e monitorada pela sociedade civil, para que com base nas evidências apresentadas nesta nota se possa elaborar e executar ações emergenciais e contínuas de prevenção de HIV, sífilis e outras IST com jovens gays e outros HSH, com o efetivo comprometimento dos governos e das agências da ONU, atuando para fortalecer nossa comunidade a partir da nossa organização nos eixos preconizados no Manual “Implementando Programas Abrangentes de HIV e DST com Homens que fazem Sexo com Homens: Orientações Práticas para Intervenções Colaborativas”; publicado em 2015 pelo Fundo de População das Nações Unidas, Global Forum on MSM & HIV, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Organização Mundial da Saúde, Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional e o Banco Mundial, e disponível em português em http://msmgf.org/download-msmit-french-spanish-portuguese/ O Manual tem os seguintes eixos e diretrizes programáticas: (a)Fortalecimento comunitário; (b) Enfrentamento da Violência; (c) disponibilização de Preservativos e Lubrificantes; (d) Prestação de Serviços de Atenção à Saúde; (e) Utilização de Tecnologias de Informação e Comunicação; e (f) Gestão de Programas e Fortalecimento da Capacidade Organizacional.
A Aliança Nacional LGBTI e a Rede Gaylatino não medirão esforços para buscar na incidência política e na mobilização comunitária estratégias de enfrentamento a esse grave momento de avanço da epidemia em nossa população de jovens gays e outros HSH e conclama a todas as pessoas ativistas, gestores/as, representantes de agências da ONU e outros órgãos de defesa da cidadania LGBTI a se somarem na construção de caminhos para a (re)pactuação de uma nova resposta governamental e comunitária de prevenção combinada junto a essa população-chave atingida.
Neste 1º dezembro, Dia Mundial de Luta Contra Aids, destacamos que o momento é de extrema preocupação e requer de todos nós uma reflexão crítica e propositiva. Também é urgente a implementação de efetivas medidas para mudar esse quadro, valorizando o papel das populações-chaves e da sociedade civil como autoras das principais respostas de prevenção no Brasil e fortalecendo o papel do Sistema Único de Saúde na resposta à epidemia. Queremos o fim da Aids sim, mas até lá temos muito por fazer!
Em 01 de dezembro de 2017
Assinam
Rede GayLatino Aliança Nacional LGBTI