Luisa Stern, 51 anos, é mulher transexual, advogada, transfeminista, militante dos direitos humanos, direitos LGBT e suplente de vereadora pelo Partido dos Trabalhadores (PT) em Porto Alegre. No sistema de rodízio adotado pelo PT local, Stern tem a missão de exercer o mandato nos dias 7, 8 e 9 de março de 2018. Em alusão ao Dia Internacional da Mulher, a vereadora concedeu uma entrevista exclusiva à ABIA em que se posiciona em relação às feministas que se opõem à presença de mulheres trans no movimento (as chamadas radicais). Para ela, o combate à transfobia deve ser em toda a sociedade e não apenas para um pequeno grupo. Stern também conversou sobre a incidência do HIV em Porto Alegre e os desafios enfrentados pela família trans (desde a família de origem até o preconceito da sociedade). Para ela, apesar dos avanços recentes – como a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que por unanimidade permitiu as trans mudarem nome e gênero direto no cartório – é preciso continuar lutando.
ABIA – Qual a importância de assumir esta vaga no Dia Internacional da Mulher para o movimento de mulheres trans no Brasil?
LUISA STERN – É de alta relevância. Por ser a primeira vereadora transexual de Porto Alegre e a primeira vereadora trans assumidamente militante a ocupar este cargo numa capital brasileira e também pelo simbolismo de uma mulher trans assumir a vaga no Dia Internacional da Mulher. É mais uma afirmação da nossa identidade. A Câmara de vereadores vai oferecer um momento especial durante a sessão deste dia 8: cada vereadora vai homenagear uma mulher de destaque em Porto Alegre. Eu escolhi homenagear a travesti Marcelly Malta, presidenta da ONG Igualdade RS. Será outro momento histórico da nossa afirmação.
ABIA – Quais temas serão centrais no seu mandato?
STERN – Vamos focar no projeto de criação do Conselho Municipal LGBT em Porto Alegre, que ainda não existe. O cenário local está bem complicado. Há organizações não-governamentais LGBT e ONGs AIDS ameaçadas de serem despejadas. Também estão desaparelhando os Conselhos Municipais, reduzindo a oferta de recursos e, no caso da AIDS, isto pode aumentar o risco de novas infecções.
ABIA – Como a senhora vê a situação da AIDS em Porto Alegre, cidade em que as trans são fortemente afetadas e a capital mais seriamente atingida no Brasil?
STERN – A AIDS é preocupante. Porto Alegre é a cidade com o maior índice de infecção do HIV no país. Atinge as pessoas cisgênero, mas também afeta as trans e travestis. No mandato, estamos colocando foco nesta causa mas a luta é de todo movimento social.
ABIA – O que é ser mulher trans?
STERN – Difícil definir: o que é não ser mulher?
ABIA – Como a senhora avalia a posição de algumas feministas radicais que defendem que ser mulher trans é estar em oposição ao “ser mulher”?
STERN – Lamento que exista este tipo de pensamento num movimento que luta por igualdade e lamento muito também que no aspecto da transfobia este tipo de pensamento seja semelhando ao discurso conservador e religioso, que prega o retrocesso e reforça o preconceito.
ABIA – Como a senhora pretende lidar com a transfobia das feministas radicais no seu mandato? Haverá alguma campanha para prevenção deste tipo de atitude?
STERN – Sim, mas com foco na sociedade. Não vou eleger as feministas radicais como inimigas. A minha luta é contra a transfobia que está presente em toda a sociedade e não com um grupo específico. Não vou fazer com estas feministas o que elas fazem com a gente.
ABIA – Como a senhora recebeu a decisão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF) que permite as trans mudarem o nome direto no cartório?
STERN – Foi uma decisão surpreendente. Não imaginávamos que fossem tão longe e tomassem uma decisão tão avançada. Me parece que há uma contradição. Embora estejamos vendo um retrocesso para outros temas no campo jurídico, parece que há um setor que é conservador na política, mas liberal nos costumes. O discurso moralista e conservador ainda não é dominante na sociedade. Pertence a um grupo minoritário que faz muito barulho.
ABIA – Como a senhora avalia os desafios enfrentados no contexto da invisibilidade da família trans?
STERN – Há pelo menos três situações. Do ponto de vista da família de origem, algumas pessoas contam com o apoio da família, como eu. Mas a grande maioria sofre rejeição da família que se expande para toda a sociedade: escola, mercado de trabalho formal, entre outros. As travestis e trans tem espaço para atuar como profissionais do sexo, cabeleireiras, etc. Já sobre a nova família, há casos pioneiros. Já se tem notícias de um casal trans que teve filhos em que o homem trans era o grávido. Este exemplo é um enorme avanço, mas por outro lado, é muito difícil para a maioria de nós, trans, construir uma família. Em geral, os homens nos procuram é para satisfazer a sua curiosidade sexual. E, por fim, o olhar da sociedade, de uma maneira geral, tem evoluído bastante e vem aceitando melhor a diversidade. E estes avanços incomodam os setores conservadores que então passam a destilar preconceito. Creio que há um longo caminho a ser trilhado no combate ao preconceito em relação às pessoas trans.
ABIA – O que um mandato trans significa para a promoção da cidadania trans, e também de todos no Brasil atual?
STERN – Ter um mandato trans significa uma peque na revolução. Ter uma vereadora trans numa capital é revolucionário. Para o país, significará a quebra de mais uma barreira. Mostrar que também é possível para nós – mulheres trans, travestis e homens trans – entrar na política e ter um resultado positivo.
ABIA – Qual mensagem a senhora deixa para este Dia Internacional da Mulher?
STERN – Apesar dos avanços, ainda temos muito o que lutar contra o machismo e o preconceito. Precisamos continuar lutando. Sempre.