Cerca de dez organizações brasileiras, dentre elas a ABIA, a Católicas pelo Direito a Decidir, o CFEMEA e a GESTOS, encaminharam carta ao governo solicitando esclarecimentos relativos à abstenção do Brasil na votação da resolução sobre Proteção da Família, ocorrida na 26ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Desde que foi apresentada ao Conselho, a resolução tem sido objeto de preocupação por parte das organizações de direitos humanos comprometidas com a igualdade de gênero, a pluralidade de visões sobre a família e os direitos sexuais no sentido amplo.
Inicialmente, o governo brasileiro pareceu estar alinhado aos princípios dos direitos humanos nesta questão. Ao final da votação, contudo, se absteve, surpreendendo as organizações.
A carta cobrando um posicionamento do governo brasileiro foi enviada à Embaixadora Regina Dunlop, ao Ministro Alexandre Ghislene e ao Conselheiro Carlos Eduardo. Leia a seguir o documento na íntegra.
Excelentíssima Senhora Embaixadora
Regina Maria Cordeiro Dunlop
Delegação Permanente do Brasil junto à ONU
Excelentíssimo Senhor Ministro
Alexandre Peña Ghisleni
Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais
Excelentíssimo Senhor Conselheiro
Carlos Eduardo da Cunha Oliveira
Divisão de Direitos Humanos – MRE
Ref. Abstenção do Brasil na votação da resolução A/HRC/26/L.20/Rev.1, Protection of the Family, durante a 26ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU
Cara Senhora e Caros Senhores,
Por ocasião da 26ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, foi aprovada a resolução A/HRC/26/L.20/Rev.1, Protection of the Family, apresentada ao Conselho pelo core group composto por Rússia, Egito, Qatar, Namíbia, El Salvador, Bangladesh, Serra Leoa, Costa do Marfim, China, Marrocos, Tunísia, Mauritânia e Uganda. Desde sua apresentação tal resolução tem sido objeto de preocupação por parte das organizações de direitos humanos comprometidas com a igualdade de gênero, a pluralidade de visões sobre a família e os direitos sexuais no sentido amplo.
Após sua tabulação, a delegação do Uruguai apresentou em nome do Chile, Uruguai, Irlanda e França, uma alteração destinada a reconhecer a diversidade de formas de família, definição essa consagrada no Programa de Ação da CIPD em 1994. A Federação Russa, entretanto, solicitou uma moção de não ação em relação a emenda apresentada, um movimento tático processual destinado a impedir a discussão do conteúdo. A moção russa foi votada e aprovada por 22 votos contra 20 e 4 abstenções.
Como resultado, o reconhecimento de que várias “formas de família” existem não foi sequer discutido pelo Conselho. Eliminada a linguagem inclusiva proposta, em seguida, a resolução foi votada pelo CDH tendo sido aprovada por 26 contra 14 votos tendo havido 6 abstenções.
Nesse processo, a delegação brasileira em atitude firme com seus compromissos assumidos para com os direitos humanos e de maneira coerente com seu discurso internacional, votou contra a moção de não ação proposta pela Federação Russa. Ainda, durante sua explicação de voto, o Brasil expressamente ressaltou, citando a resolução A/HRC/RES/7/29 sobre o direito das crianças, que diversas formas de família existem. Contudo, para nossa imensa surpresa, o Brasil se absteve na votação final. Essa abstenção, ao nosso ver, não apenas está em contradição aberta com o voto contrário a moção russa e ao pronunciamento brasileiro, como está em franco desacordo com o compromisso assumido pelo estado brasileiro em relação ao Programa de Ação da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento, reafirmada de maneira sólida no Consenso de Montevideo, resultado da Primeira Conferência Latino Americana de População e Desenvolvimento (agosto 2013) e sobretudo contrasta abertamente com a realidade sócio demográfica das estruturas familiares na sociedade brasileira, assim como com as normas jurídicas estabelecidas sobre a matéria.
As organizações que assinam essa carta solicitam, portanto, ao Ministério das Relações Exteriores um esclarecimento formal sobre as razões que justificam esse posicionamento brasileiro.
Atenciosamente,
Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS
Católicas pelo Direito a Decidir
CLAM- Centro Latino Americano em Sexualidade e Direitos Humanos
CFEMEA
Coletivo Feminino Plural
Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia
Comissão de Cidadania e Reprodução
Conectas Direitos Humanos
Observatório de Sexualidade e Política
GESTOS
Grupo de Incentivo a Vida (GIV)
Grupo de Resistência Asa Branca (GRAB)
Plataforma Dhesca