A roda de conversa “Relacionamentos e (Des)Afetos” que aconteceu na sede da ABIA no Centro (RJ) colocou em xeque a maneira que chavões e conceitos repassados historicamente e/ou dentro de uma (sub)cultura, geração, etc – tais como ser alto, baixo, negro, branco, rico, pobre, heteronormativo, afeminado entre outros – interfere no afeto nos dias atuais
Mediado por Vagner de Almeida, coordenador do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens, o encontro reuniu na sede da ABIA jovens e adultos de idades, perfis, sexos e identidades de gênero diversos. “No relacionamento não pode haver uma dominação. É uma construção diária, não é se afirmar sobre o outro com vantagens ou desvantagens. E aí vem a dominação de um sobre a estrutura do outro”, disse Almeida.
Mas como isso estrutura dentro de uma relação onde a soropositividade é realidade? “Eu acho que dentro do aspecto de uma relação com uma pessoa que vive com HIV numa relação sorodiferente, a pessoa com HIV se enxerga como responsável pelo outro, como se valendo menos, como um corpo sujo, se vê inferior. E isso é algo que temos que discutir, principalmente estando na ABIA”, declarou o jovem ativista Jean Vinícius.
“Eu já não coloco o HIV/AIDS no topo do perigo iminente, porque hoje em dia a sífilis está muito mais desenfreada e presente nas relações”, completou Almeida. Jean Vinícius também observou a necessidade desse princípio da soropositividade enquanto indetectável (quando não há possibilidade de transmissão da infecção) ou não indetectável (quando há possibilidade de transmissão) criar condições que determinam parâmetros “corpos sujos aceitáveis por ser indetectável e corpos sujos menos aceitáveis por não serem indetectáveis”.
Isolamento
Dentre os assuntos mais debatidos, destacaram-se: estar num relacionamento ou ser solteiro; estar num relacionamento, mas sentir-se sozinho; não estar num relacionamento e tudo bem; ou ainda desejar estar num relacionamento e não ter ninguém. Para os participantes do debate, a construção de um relacionamento, especialmente entre LGBT’s (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) torna-se cada vez mais desafiante diante de contextos que perpassam pela normatividade, raça, masculinidade e também do HIV/AIDS.
“Por várias vezes me peguei refletindo se valia a pena estar na relação que estou hoje ou não. Porque eu pensava ‘porque estar com uma (pessoa) se posso estar com várias?’, mas aí eu vi que valeria a pena persistir. Porque não é fácil um relacionamento: você tem que abrir mão de muita coisa, ceder em muitos pontos para fazer aquilo dar certo. E até o momento eu tô (sic) fazendo isso”, revelou o jovem Lázaro Silva.
Já a jovem trans e estudante de medicina Ana Luiza Ferreira reclamou por ser tratada como objeto sexual. “Eu me sinto um objeto na mão dos homens. Até pouco tempo eu conhecia um menino e desde então nós estávamos juntos, mas na iminência de termos algo sério ele se afastou e aí eu fico pensando ‘o que eu fiz de errado? Será que eu vou ficar pra titia?’’ desabafou Ferreria, num relato sobre uma de suas várias experiências mal sucedidas na área afetiva. A jovem assistente de projetos, Jéssica Marinho, alertou para o fato de que muitas vezes a mulher ser empoderada afasta os homens: “ Parece que eles têm medo. Não se veem ao lado de uma mulher que já possua uma vida estruturada. Acredito que é o medo de não ter aquela pessoa nas mãos, de perder o controle”.
A questão racial também costuma delimitar níveis e possibilidades afetivas na opinião de alguns presentes na roda. “Eu percebo que muitas vezes quando você ascende socialmente, você acaba excluindo muitas outras possibilidades de afeto. Durante um ano e meio eu estive com uma pessoa que não me assumia na relação e também me fez mal, foi destrutiva psicologicamente. Isso porque ele me dizia que eu era a ‘bicha da Baixada’ e ele o da área nobre”, disse Lázaro.
Esse ponto suscitou debates que nortearam os preconceitos como solo para campos minados no “quebra-cabeça” chamada relacionamento. Para Angélica Basthi, coordenadora de comunicação da ABIA, independentemente do tipo de relacionamento que você tenha – “é importante não somente ascender socialmente e criar uma imagem poderosa de si, mas saber quem você é e de onde você veio e onde você tá (sic). Acredito que o mais importante é a quebra deste estereótipo, o reconhecimento desta busca que você quer e o que você quer dentro da questão relacional”, afirmou.
Reconhecendo a fala de Basthi como algo muito peculiar, o assistente de projetos Jean Pierry Oliveira compartilhou sua experiência sobre o assunto.“Essa quebra do esteriótipo passa também diretamente pela autocrítica. Digo isso porque eu, durante toda minha adolescência, quando assumi para mim a homossexualidade eu dizia que não queria ser um gay afeminado. Para mim, aquilo era uma vergonha para toda a família”, afirmou. E completou: “E eu também não direcionava meu afeto para homens negros porque os hipersexualizava. Só depois que assumi minha sexualidade aos 21 anos, eu vi e entendi a necessidade de afrocentrar minhas relações no afetivo também e comecei a entender o ‘ser’ afeminado e como é importante todo o seu contexto no histórico LGBT”.
Para Dih Oliveira tudo isso é caracterizado pelo termo chave “questão de gosto”, ou seja, quando padrões e características físicas são levados e postos como muletas para definir e direcionar afetos num relacionamento. “Porque o que mais se ouve é que não gosto de negros, de gordos, disso e daquilo e por uma questão de gosto. Mas isso não é verdade. Quando você começa ver o outro como pessoa, muda sua percepção. Eu não gostava de homem gordo, mas hoje eu estou gostando de um rapaz gordo e tá sendo maravilhoso”, advertiu.
“Porém temos que entender que o LGBT não criou isso tudo, estes estereótipos e padrões. Nós também estamos inseridos neste sistema e somos reprodutores de tudo aquilo que absorvemos dentro dessa sociedade. Temos que frisar isso para não confundirmos as coisas”, alertou Jean Vínicius.
Fidelidade x Lealdade
Outro importante ponto foi sobre fidelidade x lealdade como um elemento agregador e fundamental para algumas relações, mas também como um elemento negociável e flexível para outros. Provocativo, Almeida questionou: quem já abriu sua relação para algo à três? “Eu tenho curiosidade, mas nunca fiz. Acho que é algo que deve ser muito bem pensado e conversado entre o casal. Se um dia eu quiser, tem que ser de acordo com o querer do meu companheiro”, contou Lázaro.
Já para Ana Luiza, “comigo não rola. Já tá difícil segurar um para mim, imagina abrir para uma terceira pessoa e correr o risco dela gostar e eu perder?”, afirmou . “Gostaria apenas de dizer que, de tudo isso, no final das contas o que vale é o respeito. Sem ele não há relação, não há parceria e não se constrói nada”, finalizou o encontro em tom filosófico Dih Oliveira.
A Roda de Conversa “Relacionamentos e (Des)Afetos” foi mais uma ação positiva do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens da ABIA, com apoio da MAC AIDS Fund.
Fonte: Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens