A ABIA vem a público se manifestar a respeito da incorporação – no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Adultos – do medicamento antirretroviral Dolutegravir como opção de tratamento inicial, e da ampliação do uso do Darunavir no tratamento de 2ª linha, conforme anunciado recentemente por meio da Portaria nº 35, do Ministério da Saúde.
Para a ABIA, adotar o Dolutegravir no tratamento inicial e autorizar o uso do Danuravir no tratamento de 2ª linha são medidas cruciais que facilitarão a adesão de pessoas recém-diagnosticadas com o vírus. Além disso, a mudança terá um impacto significativo na garantia do direito à vida e do bem estar das pessoas que vivem com o HIV e AIDS.
A ABIA juntamente com outras organizações da sociedade civil, tem denunciado o impacto dos efeitos adversos na adesão ao tratamento e exigido que a qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV e AIDS seja prioridade das estratégias para consolidar o tratamento no Brasil.
No momento do anúncio da Portaria, a ABIA e o Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI) – coletivo coordenado pela ABIA, que reúne organizações e ativistas – havia convocado a sociedade civil, acadêmicos, especialistas para o Seminário Políticas de Acesso a Medicamentos e Direitos Humanos. O seminário, que aconteceu de 26 a 28/09, foi precedido por uma reunião técnica intersetorial para alinhar as estratégias para a ampliação do uso de novos medicamentos a preços baixos, incluindo o Dolutegravir e o Darunavir.
Pressão
Lembramos que, em janeiro de 2015, este coletivo coordenado pela ABIA enviou uma carta ao Ministro da Saúde cobrando a abertura de procedimento junto à Comissão Nacional de Incorporações de Tecnologias no SUS (CONITEC) para avaliação da incorporação do Dolutegravir no SUS. A carta também cobrava a utilização das medidas de proteção à saúde previstas em lei para reduzir o preço do medicamento e ofertá-lo de forma universal.
Em julho de 2015, a CONITEC divulgou parecer desfavorável à incorporação do Dolutegravir devido ao alto custo. Nós, da sociedade civil organizada, reunimos dados técnicos que ressaltavam a relevância do medicamento por meio de evidências clínicas que demonstravam a importância para o tratamento do HIV em adultos, tanto como opção de terapia de resgate (3ª linha de tratamento), como opção para terapia inicial, a exemplo do que já ocorre em outros países.
Em outubro do ano passado, a CONITEC emitiu novo relatório, dessa vez, favorável à incorporação, mas apenas para terapia de resgate. No parecer, a CONITEC deixou claro que esta incorporação deveria estar condicionada a uma redução do preço exigido pela Glaxo, de R$ 31,82 por comprimido (U$ 9,88[1]).
No mesmo mês, várias organizações da sociedade civil (que, junto com a ABIA, participam do GTPI) realizaram o seminário intersetorial “Acesso aos ARVs”, no qual o Dolutegravir foi um dos principais pontos de debate. Na ocasião, o Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais (DDAHV) afirmou que seria impossível oferecer o Dolutegravir no Brasil de forma ampla, como tratamento inicial, conforme solicitação da sociedade civil.
Em novembro de 2015, a ABIA, junto com outras organizações do GTPI, organizou, em João Pessoa, um debate sobre incorporação de novos medicamentos, na véspera do 10º Congresso de HIV/AIDS. Na ocasião, o grupo participou de um protesto na abertura do congresso e denunciou os altos preços dos medicamentos de AIDS e o uso abusivo do sistema de patentes.
Preço
Uma outra ação aconteceu em dezembro de 2015: a ABIA e o coletivo que coordena (GTPI) realizaram uma oficina sobre tratamento no 18º Encontro Nacional de Redes, Movimentos e ONGs (Enong), na qual convocaram o movimento social a fortalecer as discussões sobre preço e qualidade dos antirretrovirais. Na época, dados do Ministério da Saúde indicavam que 74% das prescrições para tratamento inicial eram baseadas no medicamento “3 em 1‘”, e a intenção era de iniciar 190 mil pessoas em tratamento até 2020, utilizando este regime.
Na ocasião, a sociedade civil organizada já defendia que, no lugar de um amplo investimento numa única opção terapêutica, era necessário buscar novidades terapêuticas tendo como foco os direitos humanos e a qualidade de vida. Nesse sentido, foi aprovada uma moção no ENONG em favor da inclusão do Dolutegravir no tratamento inicial e a demanda pelo uso amplo e frequente de medidas de defesa da saúde capazes de reduzir preços de medicamentos.
Salientamos que, após a oficina, a ABIA e o coletivo GTPI receberam reações críticas do Ministério da Saúde e de agências internacionais, que consideraram exageradas as demandas por revisão do protocolo de tratamento brasileiro. Desde então, a sociedade civil tem cobrado a atualização das diretrizes de tratamento, conforme determina a lei 9313. Também consta na pauta a exigência de que, nesta atualização, seja implementada a inclusão de regimes com inibidores de integrasse (classe do Dolutegravir) como opção para tratamento inicial, conforme já estabelece o consenso internacional.
Sobre o Darunavir, ressaltamos a importância da compra do medicamento pelo governo brasileiro seja realizada pelo preço negociado na compra conjunta do Mercosul, para que a ampliação do uso na 2ª linha seja de fato sustentável. Isso inclui o enfrentamento de qualquer pressão da empresa Janssen e das associações que a representam, como a Sindusfarma, que tentam alegar que o Brasil não tem o direito de comprar versões genéricas.
Ainda sobre a compra de medicamentos, em relação ao Dolutegravir, o preço que ano passado estava em R$ 31,82 por comprimido (U$ 9,88) caiu para R$ 6,02 (U$ 1,53). Mas enquanto o Brasil paga U$ 558 por paciente/ano já foram anunciadas versões genéricas que custarão U$ 44. Portanto, para manter os preços em constante queda é necessário tornar as negociações mais transparentes, com participação social, e assegurar um exame rigoroso de pedidos de patente, para evitar monopólios indevidos que podem não apenas impedir a compra de genéricos, mas também impedir a combinação deste medicamento com outros.
A luta no combate à epidemia continua. A ABIA e as demais organizações da sociedade civil reunidas no GTPI vão manter na pauta a convocação de um debate sobre a utilização do TAF, versão menos tóxica do medicamento Tenofovir, que é amplamente utilizado no Brasil e está em domínio público graças à mobilização social e ações da sociedade civil organizada. Também continuaremos a lutar por um preço sustentável para a compra do Truvada, medicamento relevante para o avanço das estratégias de prevenção combinada.
Por estas razões, para nós, da ABIA, a publicação da Portaria 35 (http://migre.me/v9PFX) é um compromisso importante, fruto de uma ampla mobilização social, que sempre foi a base dos avanços na luta contra a AIDS no Brasil.
Rio de Janeiro, 06 de outubro de 2016
Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS
[1] Data cotação utilizada: 04/10/2016 Taxa: 1 REAL BRASIL/BRL (790) = 0,3105301 DOLAR DOS EUA/USD (220)