Cerca de 100 pessoas, entre ativistas e membros de grupos que atuam na luta contra a Aids e no movimento GLBT, além de pessoas vivendo com HIV/Aids e técnicos dos programas governamentais, participaram do evento, que aconteceu na sede da Abong/Ação Educativa, em São Paulo.
O encontro, que teve o apoio financeiro do Programa Nacional de DST/Aids, reuniu pessoas de vários estados do País, com diversas trajetórias, experiências e campos de atuação, mas com o propósito comum de discutir os rumos da prevenção e outras ações voltadas aos homossexuais.
As políticas públicas foram abordadas principalmente na perspectiva da revisão da agenda governamental de prevenção em HIV/Aids para homossexuais, em debate que reuniu representantes do Programa Nacional de DST/Aids, da ABGLT e do movimento de Aids. Também foi abordado o tema “Pesquisa, Homossexualidade e Aids”, que trouxe elementos e resultados de pesquisas que podem ser utilizados no aprimoramento das ações de prevenção.
“A prevenção em campo: o que funciona realmente?” foi o momento do Seminário que expôs atividades de campo de diversos perfis: intervenções de rua e em locais de freqüência homossexual, o trabalho dirigido a travestis e transexuais, a atuação de agentes de prevenção em projeto executado por programa governamental, e a prevenção aliada à defesa dos direitos das pessoas vivendo com HIV e Aids.
Também foi dedicado espaço para a discussão de conceitos e conhecimentos que podem e devem ser utilizados na prevencão para homossexuais: diversidade, vulnerabilidade e soropositividade.
A partir das apresentações dos convidados, dos debates e das propostas do público presente, no final do encontro foi discutido e aprovado em plenária documento que contém recomendações e propostas para políticas públicas e ações em HIV/Aids dirigidas a homossexuais.
O documento a seguir, que pode ser livremente reproduzido e divulgado, é dirigido a todos aqueles interessados em assumir o problema e contribuir com o enfrentamento da epidemia do HIV/Aids entre os homossexuais no Brasil. O Grupo Pela Vidda/SP e a Abia ressaltam que as propostas refletem apenas a opinião dos presentes no seminário, que não teve caráter deliberativo nem representativo formal dos diversos segmentos e movimentos que participaram das discussões.
Pela Vidda/SP e ABIA – Resultado do Seminário HOMOSSEXUAIS E AIDS NO BRASIL: ESQUECER OU ENFRENTAR?
RECOMENDAÇÕES PARA POLÍTICAS PÚBLICAS E OUTRAS AÇÕES EM HIV/AIDS DIRIGIDAS AOS HOMOSSEXUAIS
1. Admitir a gravidade da epidemia do HIV/Aids, a alta incidência e a grande vulnerabilidade dos homossexuais sem permitir o retorno do preconceito e da discriminação contra essa população do início da epidemia.
2. Admitir que a epidemia entre os homossexuais está negligenciada no Brasil, que as ações em curso não são suficientes e que precisa ser redefinida a política pública de prevenção e controle do HIV/Aids junto a esse público.
3. Reconhecer publicamente a contribuição específica e o papel relevante dos homossexuais na constituição da resposta à epidemia da Aids no Brasil.
4. Diminuir a incidência da infecção pelo HIV, Aids e DSTs, inclusive as hepatites virais entre os homossexuais.
5. Promover a testagem voluntária e o diagnóstico precoce do HIV/Aids entre os homossexuais, garantido o aconselhamento adequado por pessoal capacitado, e asseguradas a confidencialidade e a autonomia do usuário.
6. Desenvolver ações que dêem visibilidade ao risco e à gravidade, à necessidade de diagnóstico e tratamento das DSTs, inclusive sua contribuição para a infecção pelo HIV entre os homossexuais.
7. Estabelecer aliança estratégica e novas parcerias entre programas governamentais de DSTs/Aids, movimento homossexual e movimento de luta contra a Aids, incluindo as pessoas vivendo com HIV/Aids.
8. Aumentar os recursos financeiros da área de prevenção associados às atividades com homossexuais nos Planos de Ações e Metas (PAMs) estaduais, proporcionalmente à representatividade epidemiológica e considerando a alta incidência do HIV/Aids nessa população, 11 vezes maior quando comparado à população geral do País.
9. Caracterizar o enfrentamento da epidemia entre os homossexuais como uma política de saúde pública. Os três níveis de governo do SUS devem implementar, apoiar e investir prioritariamente em ações no campo da promoção, da prevenção e da assistência em saúde, adotando como um dos sub-componentes o apoio às ações de promoção de direitos humanos, visibilidade, combate à homofobia, discriminação e violência contra os homossexuais.
10. Os programas de Aids,, nos três níveis de governo do SUS, em conformidade com a Constituição Federal e a Lei Orgânica da Saúde, devem implementar ações próprias de prevenção em HIV/Aids. A prevenção em HIV/Aids para homossexuais não deve ser responsabilidade exclusiva das organizações não governamentais.
11. A partir dos desafios impostos pela política de descentralização, devem ser revistos, por parte dos programas governamentais, nos três níveis de governo, os mecanismos de financiamento, repasse de recursos, monitoramento, avaliação e prestação de contas dos projetos de prevenção em HIV/Aids dirigidos aos homossexuais, resguardados os processos de seleção pública dos projetos da sociedade civil.
12. Envidar esforços para que as ações de prevenção em HIV/Aids em curso dirigidas a homossexuais recebam recursos suficientes, não sejam descontinuadas e tenham sua abrangência ampliada.
13. Adotar novo modelo de vigilância epidemiológica, incluindo estudos de prevalência, notificação compulsória do HIV e das DSTs, além de outros instrumentos capazes de medir a propagação atual da infecção entre os homossexuais e também de diminuir a sub-notificação da categoria de exposição homo e bissexual.
14. Garantir quantitativo suficiente de preservativos e gel lubrificante íntimo (em igual quantidade à de preservativos) para ONGs e serviços de saúde, bem como para todos os projetos, ações e intervenções dirigidas a homossexuais. Viabilizar a produção, pelos laboratórios estatais, de gel lubrificante genérico.
15. Incorporar, nas ações, materiais e campanhas de prevenção, os conhecimentos acumulados e resultados de estudos sobre identidades sexuais, vulnerabilidades e redução de danos. Os contéudos dos materiais educativos devem ser atraentes, marcados pela criatividade, ousadia e adequação de linguagem.
16. Monitorar e divulgar publicamente a avaliação e a prestação de contas, inclusive dos recursos de repasses fundo a fundo, por parte dos programas nacional, estaduais e municipais, de todas as ações dirigidas a homossexuais executadas pelos governos e pela sociedade civil.
17. Mobilizar e conscientizar o empresariado que mantém estabelecimentos comerciais voltados aos homossexuais sobre sua responsabilidade no enfrentamento do HIV/Aids e DSTs, inclusive promovendo sua participação nos conselhos empresariais nacional e estaduais. Introduzir questões relacionadas aos direitos sexuais e homossexualidade nas agendas dos conselhos empresariais.
18. Mobilizar os meios de comunicação (de massa e mídia gay) para veicular mensagens qualificadas de prevenção e de promoção dos direitos de cidadania dos homossexuais.
19. Além das mensagens específicas e ações dirigidas de prevenção em HIV/Aids, o Ministério da Saúde deve promover campanhas nos meios de comunicação de massa, dirigidas aos homossexuais e ao grande público.
20. Mobilizar universidades, centros e instituições de pesquisa, intelectuais e lideranças estudantis, tanto sobre a importância da pesquisa sobre homossexualidade e Aids, quanto sobre a necessidade de programas de prevenção e promoção dos direitos sexuais no ambiente universitário.
21. Viabilizar pesquisas comportamentais e epidemiológicas com foco específico na infecção pelo HIV entre os homossexuais. Viabilizar pesquisas qualitativas sobre as várias dimensões da sexualidade, hábitos de vida e diversidade da população homossexual.
22. Resgatar a memória da prevenção para homossexuais no Brasil e a criação de um banco de materiais educativos e campanhas de prevenção já realizadas até hoje, no sentido de não reproduzir esforços e aprimorar a elaboração de novos materiais.
23. Identificar todos os projetos (instituição responsável, perfil, duração e montante de recursos envolvidos) dirigidos a homossexuais desenvolvidos a partir de 2006, financiados com recursos do Programa Nacional de DST/Aids, dos PAMs estaduais e municipais, assim como os projetos viabilizados por outras iniciativas e outras fontes de financiamento.
24. A partir da avaliação de experiências passadas e metodologias já adotadas, redefinir e atualizar as mensagens, materiais, campanhas, abordagens e estratégias de incentivo a mudanças de comportamento e sexo mais seguro entre os homossexuais, com ações adaptadas às atuais práticas, culturas e percepções de risco.
25. Os trabalhos e ações de prevenção devem contemplar a diversidade e a transversalidade, levando em conta que, muitas vezes, não é apenas um aspecto (classe, gênero, idade etc) que determina a vulnerabilidade à infecção pelo HIV entre os homossexuais.
26. Quanto às intervenções diretas de campo junto aos homossexuais, iniciativas governamentais ou da sociedade civil, é recomendável que sejam feitas preferencialmente entre pares, assegurando o diálogo e o “corpo-a-corpo”.
27. Todas as estratégias e projetos de prevenção, desenvolvidas por programas governamentais e pela sociedade civil, devem estar articuladas com a rede pública do Sistema Único de Saúde (SUS) e devem referenciar e promover os serviços de aconselhamento, testagem e tratamento em HIV/Aids, DSTs e hepatites.
28. As estratégias e projetos de prevenção para homossexuais desenvolvidas por programas governamentais e pela sociedade civil devem estar articuladas com outros movimentos sociais (mulheres, lésbicas, negros, sindicatos, terceira idade, jovens etc) e setores governamentais estratégicos (Justiça, Direitos Humanos, Segurança Pública, Cultura, Educação, Assistência Social).
29. Adotar estratégias específicas para as cidades do Interior, que muitas vezes não contam com espaços visíveis de freqüência homossexual e, além disso, geralmente não recebem atenção e investimento do poder público local para o enfrentamento da epidemia.
30. Implementar projetos estratégicos e diferenciados de prevenção em DSTs, HIV e Aids nos grandes centros urbanos, incluindo suas periferias, compatíveis com a dimensão populacional e a diversidade das comunidades locais de homossexuais.
31. Implementar e avaliar programas de capacitação de educadores e agentes de prevenção de campo, valorizando e disseminando as experiências bem sucedidas de prevenção para homossexuais.
32. Além da cobertura de todos os locais e ambientes visíveis de freqüência homossexual (bares, boites, ruas, saunas, cinemas, dark rooms, ar livr, etc), devem ser implementadas ações especialmente para aqueles homossexuais mais difíceis de atingir: jovens; homossexuais de baixa renda, baixa escolaridade e moradores das periferias; homossexuais da terceira idade; casais, pessoas não “assumidas”, clientes de profissionais do sexo e aqueles que se recusam a pertencer a identidades sexuais coletivas.
33. Considerar o alto grau de vulnerabilidade e priorizar ações voltadas aos jovens homossexuais, inclusive no ambiente escolar, no sentido de diminuir o risco à infecção pelo HIV cada vez mais presente nessa população.
34. Respeitar a identidade de gênero, considerar as necessidades de saúde e implementar políticas especificas para as travestis e as transexuais. As políticas voltadas a homossexuais não são pensadas pelo recorte de gênero e não contemplam essa população. Os serviços que atendem HIV-Aids devem ser adequados e os profissionais de saúde capacitados para acolher e não discriminar as travestis e as transexuais.
35. As mensagens de prevenção devem ser inclusivas e não discriminatórias em relação às pessoas que vivem com HIV e Aids. Deve ser adotada a prevenção positiva que contemple a sexualidade e a saúde dos homossexuais HIV-positivos, assim como o enfrentamento do estigma associado à soropositividade no universo social e cultural homossexual.
36. Desenvolver e implementar metodologias de prevenção dirigidas a casais do mesmo sexo, independente de seu status sorológico.
37. Incentivar políticas públicas de promoção e prevenção das DSTs/Aids e hepatites voltadas para o público homossexual nos espaços de sociabilidade e cultos religiosos.
38. Considerar as necessidades de saúde e implementar políticas específicas de prevenção em HIV/Aids e DSTs para mulheres lésbicas e bissexuais, na perspectiva dos direitos sexuais e reprodutivos.
39. Incorporar, dentre outros, os seguintes conteúdos geralmente ausentes dos materiais, campanhas e intervenções para homossexuais: riscos das DSTs; risco do sexo anal sem proteção (inclusive para quem penetra); infecção pelo HIV nos relacionamentos estáveis; depressão e baixa auto-estima como fatores ligados à infecção; a diminuição da mortalidade por Aids e o otimismo em relação ao tratamento com anti-retrovirais não podem ser motivos para relaxamento na prevenção; a realização de seguidos resultados negativos não deve levar à falsa noção de “imunidade” em relação ao HIV; o uso de álcool ou drogas antes da relação sexual pode levar à perda do controle da situação e ao sexo de maior risco.
40. Devem ser implementadas ações que utilizem a internet como campo de prevenção e informação em HIV/Aids, pois é cada vez mais um local de grande busca de parceiros sexuais entre os homossexuais.
41. Resgatar a historia coletiva comum e fortalecer a aliança entre o movimento de luta contra a Aids e o movimento GLBT para que desenvolvam ações conjuntas e aumentem o poder de reivindicação junto ao poder público quanto à necessidade de novas políticas públicas de enfrentamento da epidemia entre os homossexuais. Os encontros do movimento GLBT, assim como os encontros do movimento de luta contra a Aids devem prever espaços para a discussão do tema.
42. Deve ser aprofundada a discussão sobre as identidades e as múltiplas designações sexuais.
43. Realizar um fórum nacional anual sobre homossexuais e Aids que inclua espaço para apresentação e troca de experiências em prevenção.
44. A sociedade civil organizada deve resgatar o ativismo em prevenção, por meio dos movimentos, fóruns e redes. Cabe ao setor governamental apoiar e dar respostas ao ativismo e ao controle social voltados para a prevenção em HIV/Aids dirigida aos homossexuais.
Mais informações:
Mário Scheffer (GPV/SP): 11 – 3258 7729
Veriano Terto (ABIA): 21 – 2223 1040
Ricardo Molnar (ABIA): 21 – 2223 1040