Mulheres negras e mulheres trans que desenvolvem ações em prol dos direitos humanos, da saúde e da dignidade em suas respectivas comunidades e territórios estão entre as pessoas homenageadas na entrega do “Prêmio Reconhecimento 2019: Promoção em Saúde e Prevenções Populares do HIV e da AIDS”. A solenidade é uma ação do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens da ABIA e tem por objetivo valorizar jovens e adultos, ativistas ou não, que se destacaram ao longo do ano em ações pautadas no âmbito da prevenção e no combate à epidemia de HIV/AIDS, luta pelos direitos, respeito e na solidariedade. A edição deste ano foi realizada no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no Centro (RJ).
Resistência, solidariedade e muita emoção marcaram os protestos e depoimentos durante a premiação. As mulheres negras e trans homenageadas, por exemplo, lideram ações que mostram que o enfrentamento da epidemia de HIV/AIDS, assim como o combate ao racismo, lgbtfobia e desigualdades estruturais, devem ser protagonizados pelas populações que são afetadas. “Estamos vivendo um momento muito duro na nossa sociedade. Esse prêmio é uma maneira que este projeto da ABIA encontrou para homenagear quem faz a diferença na vida de tantas pessoas e nos inspiram a seguir resistindo”, afirmou o diretor-presidente da ABIA, Richard Parker.
A 5ª edição do Prêmio Reconhecimento também foi marcada pelo relançamento oficial do cartaz com a “Declaração dos Direitos Fundamentais da Pessoa Portadora do Vírus da AIDS”. O documento foi construído há 30 anos durante o 2º Encontro Nacional de ONGs, Redes e Movimentos de Luta Contra a AIDS (ENONG), em Porto Alegre (1989), por 50 organizações não-governamentais. Um marco na história da Luta contra a AIDS no Brasil, a declaração apresenta 10 preceitos fundamentais no tocante aos direitos de quem vive e convive com o vírus HIV e/ou com a AIDS.
A declaração atende à emergência dos dias atuais. Crescem os novos casos de infecção por HIV em alguns grupos e a epidemia afeta, sobretudo, as populações mais vulneráveis como LGBTs, pessoas trans e mulheres negras, que sofrem não só com as disparidades no acesso a saúde, a prevenção e ao tratamento das ISTs/ AIDS, mas também com o estigma e a discriminação, fatores que pouco ou nada diminuíram quase 40 anos de epidemia. “Apesar dos avanços alcançados, muitos destes direitos fundamentais até agora precisam ser conquistados. Pior ainda, no contexto político-socioeconômico atual, corre-se um sério risco de retrocedermos no que foi alcançado até esse momento”, afirmou o vice-presidente da ABIA, Veriano Terto Jr.
A noite começou com a exibição de um vídeo-manifesto em protesto a tragédia de Paraisópolis em São Paulo, na qual uma ação desastrosa e genocida da policia militar daquele estado resultou na morte de 9 adolescentes em um baile funk. A luta contra o genocídio da população negra e em especial, da juventude negra, foi denunciada no vídeo com depoimentos de colaboradores/as da ABIA e ativistas do movimento negro. “Foi uma forma de registrar nossa indignação, nosso protesto diante do que está acontecendo com a juventude negra e de favela nesse país. Em breve pretendemos produzir um documentário pois não podemos nos calar diante dessa barbárie que o estado brasileiro está promovendo”, disse o coordenador do projeto, Vagner de Almeida.
Homenageados/as
Entre as/os ativistas homenageados/as, a edição deste ano trouxe como destaque o reconhecimento em peso de mulheres negras ativistas e lideres comunitárias, sobretudo da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, incluindo a Baixada Fluminense. Uma delas é Cleide Jane, fundadora da Associação Missão Resplandecer (AMIRES), que desde 1999, atua na promoção da assistência às pessoas que vivem com HIV/AIDS e em defesa da cidadania e dos direitos em Duque de Caxias. “Eu agradeço à ABIA por esse premio e também a cada um aqui que foi e está sendo homenageado e que são pessoas que me inspiram à olhar e a me colocar no lugar do outro. Há anos eu venho trazendo o rótulo de barraqueira, de brigona, mas eu sou dessas que mete o pé e vai na fé mesmo, e assim estou a 20 anos na militância, desenvolvendo um trabalho de excelência em Duque de Caxias, com autonomia, lutando e conseguindo vitorias através da minha instituição”, afirmou a ativista.
Outra homenageada foi Rosilda Alves, da Associação de Mulheres da Ilha do Governador (AMUIG), entidade sem fins lucrativos, que realiza atendimento e assessoramento na área social, da saúde, educação, cultura, e lazer sobretudo para mulheres e em famílias em situação de vulnerabilidade. Alves se emocionou ao comentar o reassentamento da comunidade de pescadores a qual pertence. “Estou muito feliz em receber esse reconhecimento, e não falo enquanto Rosilda, mas como pela organização que eu represento, pelas pessoas que tão na luta comigo lá na comunidade. Há pouco tempo nós conseguimos, juntos, o reassentamento da nossa comunidade. Somos uma comunidade tradicional de pescadoras e o Estado queria nos mover de lá pra Santa Cruz, e como a gente, que sobrevive da pesca iriamos sobreviver em Santa Cruz? E nós lutamos e conseguimos essa conquista. Então peço a vocês que não desistam, que permaneçam firmes na luta por que vale a pena”.
As mulheres trans que atuam no front em defesa da população LGBTQI e de minorias em situação de vulnerabilidades como pessoas em situação de rua, usuários de drogas e pessoas trans também foram reconhecidas. Entre elas, a atual presidente da Rede de Jovens Vivendo e Convivendo com o HIV do Rio de Janeiro, Thaylla Vargas. A estudante de psicologia, já atua em grupos de acolhimento e prevenção ao suicídio e reforçou a importância do cuidado com a saúde mental e do apoio mutuo: “Eu preparei todo um discurso, procurei toda uma roupa e salto para estar aqui. Mas infelizmente não fiz nada do que pensei. Ainda não ouvi falar neste evento sobre saúde mental e a minha hoje está abalada por conta da perda do meu amigo Reynes, da Casa Nem. Diversas vezes eu conversei e o ajudei, mas não foi suficiente. Ele não aguentou e tirou a própria vida. Estou aqui não por mim, mas por ele. E peço que vocês possam olhar para o outro ou quem está ao seu lado porque alguém pode estar precisando de ajuda”, afirmou.
ABIA recebe condecoração
Entre as surpresas da noite foi na condecoração da ABIA com o “Prêmio Cidadania, Direito e Respeito à Diversidade” oferecido pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) por iniciativa do mandato do deputado Carlos Minc. A premiação foi entregue ao diretor-presidente, Richard Parker, ao vice-presidente, Veriano Terto Jr. e ao coordenador do Projeto Diversidade Sexual entre Jovens, Vagner de Almeida. O prêmio reconhece a ABIA como um ente notável pelo serviço relevante e a contribuição no exercício do avanço e da garantia dos direitos das pessoas vivendo com HIV/AIDS e na valorização da diversidade sexual. “Essa homenagem é uma forma de reconhecer o trabalho dessa instituição, sempre pautada na solidariedade, em tempos tão difíceis, em termos de democracia, de cidadania, como que estamos vivendo hoje”, afirmou Minc.
A equipe do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens foi a responsável pela organização da noite de premiação.
Confira a lista das pessoas homenageadas nesta 5ª edição “Prêmio Cidadania, Direito e Respeito à Diversidade”:
Walter Sabino
Jovem ativista militante em ações sobre HIV/AIDS, negritude, população LGBTQ+, entre outras causas. Atua com foco no diagnóstico e tratamento das pessoas vivendo com HIV/AIDS e prevenção combinada. Atualmente, é membro e educador de pares pelo Grupo Pela Vidda e Rede Jovem Rio+.
Thaylla Varggas
Mulher trans, negra e ativista social na causa HIV e AIDS. Digital influencer, educadora de prevenção no Grupo Pela Vidda-RJ. Atual coordenadora de acolhimento da Rede Jovem Rio+, voluntária do coletivo SER e moderadora de um encontro de acolhimento e prevenção ao suicídio. Além disso, participa de projetos sociais com moradores de favela, moradores de rua e crianças em orfanatos.
Ramon Nunes Mello
Poeta, escritor, jornalista e ativista dos direitos humanos, sobretudo, do tema HIV/AIDS, muito presente em sua obra poética. Em sua trajetória, defende a literatura como instrumento de afirmação das subjetividades, ao reconhecer que na luta do HIV/AIDS deve-se denunciar o genocídio que ocorre no Brasil hoje, principalmente entre a população mais vulnerável.
Junior Lima
Ativista do movimento negro e LGBTQ+, atualmente coordena o setor de projetos em Promoção da Igualdade Racial da Secretaria de Cidadania e Direitos Humanos de Nilópolis. Realiza há 6 anos, o Prêmio Mulher Negra, o Festival Zumbi dos Palmares, CINE IGUALDADE, o Projeto “Minhas História, Minhas Raízes’, a Expo Ubuntu e demais atividades voltadas ao fortalecimento da igualdade racial, cultura e lazer.
Larissa “Larrubia”
Vice-presidenta do Projeto Trans Revolução e uma das gestoras da Casa Nem, instituição que acolhe pessoas trans e LGBTs em situação de vulnerabilidade social. Pessoa vivendo com HIV há 15 anos, é também ativista da causa. Além disso, é artesã e integrante do movimento LGBTI da Frente Internacionalista dos Sem Teto (FIST).
Sandra Brignol
Sandra Mara Silva Brignol é doutora em saúde coletiva pela Universidade Federal Da Bahia (UFBA). Em 2004, iniciou as pesquisas na área do HIV/AIDS com populações vulneráveis. Atualmente, é professora adjunta e pesquisadora do Departamento de Epidemiologia e Bioestatística do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordena o projeto “Saúde das pessoas LGBTI sob a ótica da saúde coletiva: Atenção Integral à Saúde no Sistema Único de Saúde – PROSAIN-UFF”. Neste projeto, trabalha as especificidades do atendimento médico para a população LGBTI+ com a alunos de medicina da UFF.
Nemese Nascimento
Nemese da Silva do Nascimento é moradora da Comunidade da Fé, no Complexo da Penha. Liderança comunitária desde 1983, começou a se interessar pelo ativismo por conta de uma passeata de seu filho mais velho no colégio. Desde então, a enfermeira aposentada não parou mais, e nunca deixou de fazer seu trabalho pela saúde.
Ana Leila
Fundadora e atual presidente do Centro Social Fusão, que fica localizado na comunidade Jacutinga em Mesquita. A instituição tem como objetivo implementar atividades educativas e promover a conscientização e mudanças de comportamento que reduzam a infecção por HIV/AIDS, hepatites virais e tuberculose na população em situação de pobreza no município de Mesquita, com ações mais intensivas no bairro da Jacutinga e adjacências.
Rosilda Moreira
É membro da Associação de Mulheres da Ilha do Governador (AMUIG), é uma associação civil que realiza atendimento e assessoramento nas áreas social, educacional, ambiental, cultural, esportiva, de saúde, de qualificação profissional e inserção de mão de obra no mercado de trabalho. Além de desempenhar apoio à regularização fundiária, na prevenção ao uso de drogas e a doenças. O público alvo são mulheres, idosos, crianças e adolescentes, pessoas com deficiência, minorias e famílias em situação de vulnerabilidade social.
Tânia Alexandre
Presidente da Associação de Mulheres de Edson Passos (AMEPA), que fica na comunidade do Campo América, no município de Mesquita. A instituição foi criada por um grupo de moradoras interessadas no desenvolvimento comunitário. A ativista nunca se conformou com a falta de creches, saneamento básico, pavimentação, segurança, locais de lazer, violência contra meninas e mulheres da região, entre tantas outras coisas que colocam em risco a vida e o exercício de cidadania dos moradores da comunidade. Atualmente a AMEPA desenvolve o trabalho de prevenção das IST/HIV/AIDS e tuberculose.
Cleide Jane
É uma das fundadoras e integrantes da Associação Missão Resplandecer (AMIRES), nascida da vontade comunitária no enfrentamento ao HIV/AIDS, em 1999. A missão da instituição é promover assistência às pessoas que vivem com HIV/AIDS, seus familiares e moradores de comunidade, não somente no que se refere ao tratamento e combate à epidemia, mas, acima de tudo, no fortalecimento de sua cidadania, no intuito de exercer seus direitos e deveres, e principalmente, torná-los protagonistas de sua realidade.
Reportagem: Maria Lucia Meira (estagiária)
Edição e supervisão: Angelica Basthi