O destaque de ter ouvido falar sobre a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) pela primeira vez, a terapia que impede a infecção por HIV/AIDS em caso de exposição acidental ou sexo desprotegido, foi da presidente da Associação de Diversidade Primaverense (ADIP), Camila de Lima. No início da semana passada, ela embarcou em uma van da cidade onde mora, Primavera do Leste, para percorrer os cerca de 240km até a capital Cuiabá, no Mato Grosso, onde assistiu a Oficina de Primeiros Passos sobre Direito à Saúde, Acesso a Medicamentos e Propriedade Intelectual, nos dias 9 e 10, no auditório do Instituto de Saúde Coletiva da UFMT.
“Com essa nova medicação, a PrEP, acredito que no meu município ela possa ajudar a dar uma baixa na epidemia até uma nova medicação sair”, disse a ativista, que também é agente da Pastoral da AIDS.
Assim como Camila, representantes de Cáceres, Araputanga, Rondonópolis viajaram até Cuiabá para participar do evento promovido pelo Grupo de Trabalho Sobre Propriedade Intelectual (GTPI) e a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA), em parceria com a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS no Estado do Mato Grosso (RNP+MT).
Desenvolvendo um trabalho de apoio a pacientes com tuberculose em Primavera do Leste, Camila descreveu o contexto onde sua organização atua.
“Somos um município de 75 mil habitantes com 15 ESF (unidades do Estratégia Saúde da Família) e estamos com epidemia de 10 a 15 casos para cada unidade. Então é um fator relevante, agravante, é um tratamento longo do qual nem todo mundo cumpre os seis meses por vários fatores, ou seja, não é certeza de que as pessoas estão sendo curadas”, observa a ativista.
Angústia em Rondonópolis
De Rondonópolis, a representante da Associação dos Movimentos de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS, Cleuza Rodrigues Ferreira, compartilhou no encontro que o maior problema do município é com consultas e exames.
“A dificuldade em Rondonópolis é com os exames CD4 de carga viral e com a demora nas consultas. Fazemos o exame apenas de seis em seis meses e temos muitas pessoas adoecendo em Rondonópolis”, explica Cleuza, que também é da Associação Amparo à Vida.
A ativista conta que outra demora acontece após a coleta de sangue para o exame, que é feita em Rondonópolis e trazida para Cuiabá. “Nesse tempo, muitas vezes o paciente já está até acamado e até retornar esse exame em mais ou menos 40 dias, nem dá tempo de salvar e a pessoa vem a óbito”. Uma logística incompreensível para uma cidade a apenas pouco mais de duas horas da capital, cuja taxa de detecção chega a 61,4 de casos (por 100 mil habitantes), com taxa de mortalidade a 12,3, nos últimos três anos, segundo os dados do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde.
As organizações onde Cleuza trabalha atuam com foco na autoestima, na parte social doando alimentação e fazendo visitas às pessoas com HIV/AIDS. “Também estamos junto com as famílias para orientar sobre o problema que a gente mais passa no interior que é o preconceito e a discriminação”, comenta.
Logística e demora também em Araputanga
Geograficamente mais próxima do território boliviano do que de Cuiabá, Araputanga também sofre com a logística.
“Pra nós que moramos no interior do Mato Grosso, lá no canto do Estado, nossa maior dificuldade é o acesso aos exames de carga viral e CD4. Precisamos sair para fazer em Cuiabá em uma viagem de seis horas. A maioria dos pacientes sai meia-noite pra chegar de manhã e fazer o exame”, explica a presidente da ONG Instituto Vida, Iderci Inacia Gomes.
Iderci explica que toda a viagem demora mais ainda ao chegar na capital, porque é necessário que também venham os pacientes com outros tipos de doença, em um processo que leva o dia inteiro. A volta para Araputanga pode acontecer até a meia-noite seguinte, num esforço de 24 horas.
“Alguns pacientes chegam a ficar um ano sem fazer os exames por conta de todas essas dificuldades”, comenta.
Na avaliação da ativista, o problema em Araputanga ainda é agravado pela dificuldade de acesso a medicamentos, já que não há um Centro de Testagem e Aconselhamento, e Serviço de Assistência Especializada em HIV/AIDS/Hepatites Virais (CTA/SAE). “A gente depende do CTA de Cáceres, que fica a duas horas de viagem pra buscar a medicação. Às vezes a secretaria pega o medicamento, mas já aconteceu de atrasar, o que preocupa os pacientes”.
Apesar de ter um CTA/SAE, a situação também é problemática em Cáceres, porque as amostras de sangue para exames CD4 precisam ser coletadas na capital, o que não livra as pessoas de uma viagem de 220 Km de distância. “Depois disso ainda leva de 15 a 30 dias só para chegar o resultado. Era importante que Cáreres e todas as cidades tivessem sua própria coleta, que facilitaria a todos que precisam manter sua carga viral”, disse um participante da oficina, morador de Cáceres, que preferiu não se identificar.
“Nestes dois dias tive a oportunidade de ter um conhecimento amplo sobre patentes e o custo dos medicamentos e de pensar as ações de saúde a partir da prevenção”, comentou o participante sobre a oficina.
Cuiabá precisa enfatizar prevenção
De Cuiabá, a representante da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS no Estado do Mato Grosso (RNP+MT), Francisca Batista, insiste que é necessário, mais do que nunca, trabalhar com foco na prevenção para promover a diminuição dos casos.
“A gente vê hoje o grande número de pessoas novas, jovens soropositivos. Dentro do nosso SAE municipal (Serviço de Atendimento Especializado) já chegamos a ter mais de duas pessoas por dia, mais de 60 ao mês, além do aumento de casos entre a população idosa”, relata.
Até outubro deste ano, Cuiabá registrava já 394 casos de HIV/AIDS, em um ritmo que pode superar o total de 448 em 2018. Cuiabá e Rondonópolis aparecem entre os 100 municípios brasileiros com mais casos de 2014 a 2018. Rondonópolis é o 16ª entre todos os municípios e Cuiabá é a 10ª entre as 27 capitais.
O trabalho das organizações onde Francisca atua, segue os princípios da valorização e melhoria do Sistema Único de Saúde (SUS) e melhoria da qualidade de vida dos pacientes de HIV/AIDS.
SAIBA MAIS
Teste CD4 –Teste gratuito realizado pelo SUS que mede a quantidade dos linfócitos CD4 no organismo. A contagem considerada normal é de 500 células/mm3 em adultos. O paciente está em estado avançado de imunossupressão quando inferior a 200 células/mm3.
CD4 – São as células do sistema imunológico (linfócitos) atacadas pelo vírus HIV que diminuem com a evolução da doença. Quanto menos presença do CD4, maior a vulnerabilidade do sistema imunológico e maior o risco de complicações e infecções.
Exame de carga viral – Mede a quantidade de ácido ribonucleico (RNA) do vírus da imunodeficiência humana (HIV) no sangue do paciente. Quando a pessoa é infectada, o HIV invade e destrói células imunológicas e se multiplica, aumentando assim a carga viral no sangue. A partir do momento em que é detectada a infecção pelo vírus, é a contagem de linfócitos CD4 que vai indicar quando o tratamento deve ser iniciado, quando se iniciará a pesquisa sobre a resistência a medicamentos e quando deve ser modificado o tratamento.
Com informações de Boletim Epidemiológico 2019, Boletim Epidemiológico 2018, Gazeta Digital, Lab Tests Online.
Fonte: GTPI