O país das Olimpíadas de 2016 fecha o ano com problemas cada vez mais graves na saúde pública. E, o que é pior, a situação de caos está tomando conta do Rio de Janeiro, cidade sede das Olimpíadas.
Em razão disso, a Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) vem a público manifestar sua indignação acerca do descaso com a saúde pública no Rio de Janeiro e, em especial, com o cuidado às Pessoas Vivendo com HIV e AIDS (PVHA).
No dia 16 de dezembro, participamos de uma reunião na Secretaria Estadual de Saúde com a Gerência de DST/AIDS do Rio de Janeiro. Na ocasião, foi comunicada a falta de recursos para pagar os serviços contratados com o Hospital São Francisco da Penitência (antigo Hospital Ordem Terceira), na Tijuca. Isto acarretou a interrupção imediata de consultas de primeira vez e o cancelamento de novas consultas a partir do mês de dezembro.
Ressaltamos que a falta de pagamento e a possibilidade de cancelar o contrato ameaçam deixar sem acompanhamento médico as 700 pessoas vivendo com HIV e AIDS que são acompanhas no ambulatório do hospital, o que agrava os já precários serviços públicos de saúde disponíveis para tratamento de HIV e AIDS no Rio de Janeiro.
Informamos que, na cidade sede das Olimpíadas, já foram fechados os seguintes serviços de saúde: o Centro Estadual de Diagnóstico por Imagem (Rio Imagem) [1]; o Hospital Federal Gaffrée e Guinle, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) – fechou mais de 100 leitos e já não recebe novos pacientes [2]; o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (conhecido como Hospital do Fundão) – suspendeu todas as novas internações e também as cirurgias eletivas [3].
O estado do Rio de Janeiro registrou 106.022 pessoas com AIDS entre 1982 e 2014. O estado reporta ainda uma taxa de mortalidade por AIDS que é o dobro da taxa nacional, com aumento do número absoluto acima da média nacional, chegando em 2014 a 1.826 óbitos. A taxa de incidência também é maior que a nacional 27,7 e 20,4 respectivamente.
O diagnóstico de HIV/AIDS no estado ainda é tardio, conforme reconhecido pela Gerência de DST/AIDS da Secretaria Estadual de Saúde. Enquanto escrevíamos este documento, recebemos a denúncia de que mais um paciente de HIV/AIDS teve seu atendimento negado pelo Hospital São Francisco da Penitência, confirmando as evidências denunciadas nesta nota.
Os profissionais de saúde demonstram preocupação e relatam a chegada de pacientes com doenças oportunistas e estados clínicos igual ou pior ao início da epidemia, quando ainda não existia o tratamento antirretroviral.
A calamidade anunciada há anos pela sociedade civil, e ignorada pelos governantes, se instala e ameaça cada vez mais o direito constitucional à saúde e à vida. Preocupa-nos o fato do Brasil, um país que em 1996 conquistou o acesso universal ao tratamento antirretroviral, continue apresentando casos de AIDS com diagnostico tardio por impossibilidade de acesso aos serviços de saúde.
É paradoxal que, enquanto no mundo se fala do controle da epidemia com perspectivas para o fim da AIDS em 2030, no Brasil, especificamente no estado do Rio de Janeiro, vivamos o fechamento os serviços públicos de saúde. A situação real em relação à atenção às PVHA dista muito da qualidade preconizada pelo Programa Nacional de AIDS do Brasil.
Também é inadmissível que, no momento em que o governo gasta milhões de reais para receber as Olímpiadas – realizando obras faraônicas, como estádios, circuitos de provas, museus, reformas urbanas para os jogos, etc – a saúde do Rio de Janeiro viva uma das maiores situações de descaso já vista no país.
Para nós, usuários do Sistema Único de Saúde, as Olímpiadas são refletidas nas maratonas diárias para conseguir o acesso aos serviços. Convocamos a sociedade brasileira e os turistas que virão para as Olímpiadas para somar esforços e denunciar esse descaso ao mundo. Reiteramos o apelo à sociedade para que não deixemos nem mais um serviço de saúde encerrar as atividades.
Não admitiremos nenhum passo para trás.
Rio de janeiro, 22 de dezembro de 2015
Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS
[1] http://extra.globo.com/noticias/rio/centro-de-diagnostico-rio-imagem-foi-fechado-por-falta-de-materiais-dizem-medicos-18283886.html [2] http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/12/hospital-da-unirio-fecha-mais-de-100-leitos-e-suspende-novas-internacoes.html [3] http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/12/hospital-da-unirio-fecha-mais-de-100-leitos-e-suspende-novas-internacoes.html