As lições das práticas comunitárias, a importância dos significados culturais e os impactos das intervenções comportamentais e dos métodos biomédicos na resposta a epidemia da AIDS no Brasil foram alguns dos destaques feitos pelo diretor-presidente da ABIA, Richard Parker, na abertura do Seminário Repensando a Prevenção. O evento ocorreu no último dia 24 de junho via zoom e foi uma ação intersetorial direcionada para ativistas, gestores de saúde, pesquisadores e público em geral.
Durante a manhã, a primeira mesa “Como chegamos até aqui? Reflexões sobre a história da prevenção de HIV/AIDS” trouxe temas relevantes sobre a história da prevenção comunitária na voz do vice-presidente da ABIA, Veriano Terto Jr.
“Foram muitas ações importantes na perspectiva comunitária como a redução de anos, durante os anos 1990, quando houve a mobilização política dos usuários e o questionamento do impacto das leis criminais na saúde pública, além do esforço das religiões afro-brasileiras contra o estigma e racismo estrutural”, destacou Terto Jr.
A história da prevenção entre gays e homens que fazem sexo com outros homens (HSH) foi analisada por Thiago Pinheiro, pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Direitos Humanos e Saúde da População LGBT (NUDHES) da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. No seminário da ABIA, Pinheiro considerou que além de insuficientes, as conquistas que ocorreram especialmente nos anos 2000 foram enfraquecidas pela falta de investimentos para sua manutenção e atualização. “Hoje a tendência é de piora com a paralização e engessamento neste cenário conservador”, alertou Pinheiro.
A última apresentação da manhã foi da pesquisadora Dulce Ferraz,que atualmente realiza seu pós-doutorado no Groupe de Recherche em Psychologie Sociale, na Université Lumière Lyon 2, França. Ferraz fez um apanho histórico da prevenção comunitária até os programas formais.
“A formalização da resposta programática à AIDS foi processual. A partir dos anos 1990 o Sistema Único de Saúde se formaliza, em seguida surge estratégia via rede de atenção básica. Além disso, as novas tecnologias invadiram os serviços e ainda permanece o desafio de como superar a prevenção normativa”, afirmou. A debatedora da mesa da manhã foi Kátia Edmundo, diretora-executiva do Centro de Promoção à Saúde (CEDAPS).
Prevenção combinada
À tarde, Parker retornou a abrir o debate na mesa sobre “Prevenção combinada: o estado da arte”. Desta vez, o diretor-presidente da ABIA abordou sobre o conceito da pedagogia da prevenção foi elucidado uma importante ferramenta para a reinvenção da prevenção do HIV no século XXI e a sua relação o sexo seguro.
“Esse conceito de sexo seguro nasceu dentro da comunidade, não foi um processo biomédico. Foram as comunidades mais afetadas como a dos homossexuais, por exemplo, no início da epidemia que iniciaram essa prática”, explicou.
Para, Parker a prevenção começou a ficar confusa quando as pessoas diretamente afetadas deixaram de ser ouvidas e consequentemente o assunto passou a ser discutido pela comunidade científica, que segue apostando na biomedicalização como solução para a epidemia.
“Foi por isso que a partir dos anos 2000 nasceu um conceito chamado de Prevenção Combinada por pessoas preocupadas com a biomedicalização. Isto é, aliar diversas opções de prevenção para cercar o vírus e enfrentar as barreiras estruturais, comportamentais, de raça, gênero e outros aspectos”, contou.
Ainda na mesa sobre “Prevenção combinada: o estado da arte”, o coordenador da área de prevenção e promoção da saúde da ABIA, Juan Carlos Raxach, apresentou a dinâmica “Rio das Prevenções”. Raxach explicou que o Rio das Prevenções tem como conceito da pedagogia desenvolvida por Paulo Freire na obra “Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa”. Para o médico, o “Rio das Prevenções não é perfeito, mas permite que cada um tenha autonomia para escolher a sua forma de se prevenir”.
Sexo mais seguro
A terceira e última apresentação na mesa sobre prevenção combinada foi comandada por Vagner de Almeida, coordenador do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens. Almeida apresentou como se deu o processo de criação e produção dos Guias de Sexo Mais Seguro e destacou a importância de não se apagar a história. “Eu não entendo muito bem o porquê desse retrocesso. Eu entendo o retrocesso do governo, mas o nosso não”, indagou o cineasta.
Segundo ele, foi a ousadia da ABIA ao longo da sua trajetória que permitiu a expressão de muitos jovens por meio da arte. “A ABIA deu a oportunidade de muitos jovens se reunirem para discutir sexualidade, juventudes, HIV/AIDS e sexo. As pessoas não sabiam o que estava acontecendo com elas, não sabiam onde ir, faltava um conhecimento geral. E era na ABIA que essas pessoas marginalizadas na época ‘de ouro e de óbitos’, os anos 90, que esses membros falavam e eram ouvidos”, relembrou.
O debate da segunda mesa ficou por conta de Sandra Filgueiras, que atua na Gerência DST/Aids da Secretaria de Estado de Saúde.
O seminário foi encerrado com a apresentação da Gabriela Calazans, pesquisadora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina e integrante do Núcleo de Estudos para Prevenção da AIDS (NEPAIDS), da Universidade de São Paulo (USP). Coube à Calazans apresentar um esboço do policy brief no campo da prevenção (ou resumos de políticas da prevenção).
A última mesa “Próximos Passos”, que contou com as participações de Richard Parker e Veriano Terto Jr., apresentou um cenário de desafios diante da falta de equidade, do desrespeito aos direitos humanos, do desmonte do SUS, do desfinanciamento das políticas sociais, dentre outros problemas. “É preciso reafirmar o acesso universal como valor para a prevenção, o diagnóstico e o tratamento junto com a defesa dos direitos humanos e da participação social”, concluiu Calazans.
Assista o seminário completo: parte da manhã e parte da tarde
Reportagem: Angélica Basthi (comunicação ABIA), Jéssica Marinho e Jean Pierre (Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens)