Fomentar o diálogo intersetorial tem sido uma prática da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) ao longo dos 35 anos de trajetória, celebrados em 2022. Em parceria com o Projeto Falando sobre AIDS, do Grupo de Pesquisa em Saúde, Sociedade e Cultura (Grupessc/UFPB), a instituição realizou em João Pessoa nos dias 7 e 8 de novembro a primeira etapa do projeto “Estigma e discriminação como barreiras para a promoção da saúde” em João Pessoa (PB). A próxima etapa acontecerá no Rio de Janeiro.
Realizado no formato seminário, reuniu pesquisadores, estudantes de graduação, ativistas, pessoas dos serviços de saúde, gestores e organizações da sociedade civil. Os debates abordaram temas cruciais para a compreensão dos dilemas que persistem para a permanência do estigma e da discriminação em relação às pessoas que vivem e convivem com HIV e a AIDS e que atingem outras patologias tais como tuberculose, hanseníase e a Covid-19.
A pesquisadora Carla Rocha (ABIA), por exemplo, trouxe resultado de estudo realizado entre 2019 e 2021 sobre as barreiras que reforçam o estigma e a discriminação em relação às pessoas LGBTIA+. Carla falou na mesa Pensando Estigma e Discriminação como Barreiras à Prevenção ao lado de Rose Farias, coordenadora da ONG Cordel Vida e Mailza Gomes, representante da gestão estadual da Paraíba.
Já Celso Monteiro, da Prefeitura de São Paulo, destacou ser preciso reconhecer as vulnerabilidades de cada indivíduo sem descartar a síndrome do olhar colonizador (Casa Grande e Senzala) que continua gerando impactos na vida das pessoas. Celso analisou o tema na mesa Estigma como desafios para implementação de políticas públicas. Ao seu lado, estavam Fabio O´Brien (PEPFAR/CDC) que tratou do Projeto A Hora é Agora e Josevânia da Silva (PPGPS/UFPB) que aprofundou sobre o sofrimento ético e político, com ênfase no marcador geracional e suas implicações no envelhecimento.
Para o diretor-presidente da ABIA, Richard Parker, o seminário apresentou uma série de novidades sobre o que é enfrentar o estigma e a discriminação no atual momento brasileiro. “Essa onda recente de conservadorismo exagerado no Brasil fez com que o estigma e a discriminação quase virassem uma política de estado. Podemos afirmar que estamos enfrentando um dos piores momentos do recrudescimento do estigma e da discriminação com relação a HIV e AIDS em 40 anos de epidemia”, disse Parker.
Lugar central
A professora Mônica Franch, coordenadora do projeto de extensão “Falando sobre Aids” e líder do Grupessc/UFPB, afirmou que o encontro em João Pessoa deixa lições importantes. A primeira delas é a compreensão que tanto o estigma quanto a discriminação ocupam lugar central entre as barreiras que impedem as pessoas a buscar o diagnóstico, aderir ao tratamento e até fazer uso das metodologias de prevenção. “O preconceito se revela de várias maneiras: às vezes numa cara feia na porta do serviço de saúde, ou no não uso do nome social para as pessoas travestis e transexuais e até na convivência familiar… É uma dinâmica que envolve relações de poder e exclusão e dificulta uma boa vida e uma boa saúde das pessoas que sofrem o preconceito e da sociedade como um todo”.
Outra lição destacada por Mônica é a urgência da necessidade de refletir sobre o impacto do racismo no estado atual da pandemia e buscar dados adequados sobre as pessoas travestis e transexuais. “É preciso qualificar os cadastros para obtermos dados epidemiológicos e qualitativos para saber, por exemplo, quantas pessoas negras estão se infectando neste momento e evoluindo para a AIDS. Também precisamos acessar dados adequados sobre pessoas travestis e transexuais, que aparecem como homens ou homossexuais nas estatísticas o que não procede e não visibiliza as vulnerabilidades específicas sobre este público”, afirmou.
A professora Luziana Silva , que também coordena o projeto “Falando de Aids”, destacou a importância do evento ter acontecido em João Pessoa. “É uma cidade que sai do eixo sul-sudeste, é uma cidade nordestina e que traz especificidades em relação ao estigma. Refletir a partir de diferentes cenários, descentralizar a discussão sobre o estigma é bem importante para gente pensar a resposta ao HIV e a AIDS”, avaliou Luziana. Além do destaque local, Richard Parker acrescentou o olhar para a cobertura nacional deste projeto implementado pela ABIA. “Agora a nossa prioridade foi para participantes do Nordeste e Norte do país. O próximo seminário será com ênfase no Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Para ambos, recebemos trabalhos relevantes de pesquisadores/as representantes do Brasil inteiro. Vamos elaborar e divulgar textos que resumem o estado da arte no enfrentamento do estigma e da discriminação em relação às populações afetadas por estes preconceitos em relação ao HIV e que, entre outros problemas, impedem o acesso às novas tecnologias de prevenção”, concluiu Parker.
O Seminário “Estigma como Barreira para a Prevenção e o Tratamento” contou ainda com as participações de Mônica Lima (UFBA), Felipe Rios (Eshu-UFPE) e Luziana Silva (GRUPESSC/UFPB) na mesa Resultados de Pesquisas e caminhos para enfrentamento do estigma; Aline Ferreira (Loka de Efavirenz/Natal), Luza Maria Silva (APROS/PB), Andreina Giuliany Villarim (ASPTRANS/PB) e José Felipe dos Santos (Movimento do Espírito Lilás) na mesa Relatos de Experiência sobre Enfrentamentos ao Estigma/Discriminação como Barreiras à Prevenção e Tratamento; e a apresentação dos textos/base para a publicação que será elaborada pela ABIA sobre o estado da arte sobre estigma, discriminação e prevenção elaborados por Daniel Canavese (UFRGS) e Laio Magno (UNEB).
Assista o encontro no Canal do YouTube da ABIA.
Reportagem e edição: Angélica Basthi
Fotos: Vagner de Almeida