Em entrevista exclusiva à ABIA, Fernando Ferry, diretor geral do Hospital Universitário Graffrée e Guinle (HUGG/RJ) – centro de referência com 32 anos de experiência em tratamento de enfermos graves – e coordenador do Programa de Mestrado em Infecção pelo HIV/AIDS da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), fala sobre a epidemia de AIDS no país e a crise no Rio de Janeiro. O Graffée e Guinle tem uma dívida de R$ 16,4 milhões e já fechou leitos para internação. E hoje também enfrenta a perda de mão de obra especializada. Os médicos estão envelhecendo e, entre os recém-formados, não há interesse em infectologia clínica. Diante deste quadro, Ferry acredita que dividir o cuidado dos pacientes com AIDS na assistência básica pode ser uma saída.
ABIA – Qual a sua percepção em relação a epidemia de AIDS no Brasil?
Fernando Ferry – A epidemia de AIDS vai enfrentar um grande desafio: como enfrentar a disseminação do vírus nos jovens com idade entre 12 e 25 anos? Sabemos que este processo está diretamente relacionado à educação! Então, como educar os jovens? Como fazer entenderem a gravidade das doenças sexualmente transmissíveis?
ABIA – E a sua percepção em relação à situação no Rio de Janeiro?
Ferry – O Rio de Janeiro tem um grave problema relacionado à AIDS. De uma maneira geral, os médicos que são especializados em AIDS estão envelhecendo e a maioria dos recém-formados não querem fazer infectologia clínica. Assim, falta mão de obra médica especializada em AIDS principalmente nas emergências. Muitos sequer recebem o diagnóstico e estão falecendo sem receber o tratamento adequado.
ABIA – Qual a atual situação social e clínica das pessoas que chegam no hospital infectados com o HIV?
Ferry – Como centro de referência, recebemos pacientes em todas as fases da doença! Temos observado um número crescente de pessoas pobres e com baixo índice de escolaridade, em especial jovens e gestantes. Um dos maiores desafios são os doentes graves que ficam na emergência e não são alocados. Como solucionar este problema? O Hospital Gaffrée e Guinle poderia contribuir muito para minimizar este problema. Temos 106 leitos fechados que poderiam ser usados para receber estes enfermos e minimizar o sofrimento destas pessoas e seus familiares.
ABIA – Quais as possibilidades de acolher pessoas que se detectam soropositivas dentro da atual estratégia “Testar e Tratar”?
Ferry – O ideal seria estarmos em sintonia com a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. A assistência básica pode perfeitamente tratar de pacientes assintomáticos, com carga viral indetectável e CD4 alto. O HUGG poderia ser um pólo de atendimento de doentes mais graves e, após resolvido o problema, este doente poderia ser tratado em conjunto com a Prefeitura. A Prefeitura fica com os doentes estáveis e nós com os pacientes graves. Devemos abrir a chance para que o grave chegue até o HUGG!
ABIA – A ABIA tem recebido uma série de denúncias relacionadas ao tratamento de HIV na atenção básica, como quebra do sigilo e profissionais que não sabem manejar clinicamente o HIV. De que forma essa atenção básica poderia ser complementar?
Ferry – A atenção básica, no modelo atual, é muito recente no município do Rio de Janeiro. Na verdade, falta treinamento aos funcionários. Mas o desejo é sempre acertar. Existem pessoas na Prefeitura muito comprometidas com a causa da AIDS que estão cientes destes problemas e trabalhando para resolvê-los.
ABIA –Temos percebido que muitas pessoas, por motivos diversos, não querem receber tratamento perto de casa na atenção básica. Como o governo municipal poderia garantir o direito das pessoas se tratarem onde haja maior vínculo e, dessa forma, manter a adesão ao tratamento?
Ferry – Se você perguntar a um paciente se ele quer se tratar no HUGG ou na clínica da família, é lógico que vão responder: HUGG! Por um motivo simples: se a pessoa passar mal, o HUGG interna pacientes e somos são bons nisso! Só que hoje, o paciente que faz uso correto da medicação não fica mais doente. O HUGG está lotado de pacientes e aqueles que estão graves não consegue ter acesso, bem como pacientes de primeira vez. Acho que o HUGG deve priorizar pacientes graves e sintomáticos. Os estáveis podem ir para atenção básica, porém com as portas abertas para ser atendido no HUGG em caso de doença grave ou responder parecer para os médicos da saúde básica. Pode também ser atendido aqui apenas uma vez ao ano. Precisamos conversar mais para fazer uma pactuação que seja boa para todos.
ABIA – Sabemos que nos últimos anos o hospital teve que fechar leitos para internação. Como isso tem afetado a qualidade da atenção e serviços para PVHAS?
Ferry – É muito triste negar vagas para enfermos com aids que estão nas emergências! Sinto que é como se estivéssemos assinando uma sentença de morte. Mas estamos fazendo várias reuniões com o MEC e o Ministério da Saúde, intermediado pelo deputado federal Jean Wyllys, para tentar resolver este problema em 2016. Estou otimista.
ABIA – Do que precisamos para poder enfrentar a epidemia de AIDS com qualidade?
Ferry – União entre todos os serviços que atendem pacientes com HIV/AIDS. Tenho feito conversas com as secretarias municipal e estadual de saúde, com o Programa Nacional de DST, AIDS e Hepatites Virais, a FIOCRUZ, UFRJ, UERJ, USP e UNIFESP a fim de desenvolvermos ações em conjunto e melhorar a assistência. Além disso, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (CAPES/MEC) aprovou em 2012, o primeiro Mestrado Profissional em “Infecção HIV/AIDS e Hepatites Virais”, já em funcionamento na UNIRIO. Este Mestrado vai contribuir muito para ajudar a solucionar os problemas enfrentados hoje.
ABIA – Qual é a sua visão futura em relação à epidemia de AIDS no Brasil e/ou no Rio de Janeiro onde os dados epidemiológicos são críticos se comparados com os dados nacionais (por exemplo, mortalidade e taxa de detecção altas)?
Ferry – O Rio de Janeiro é um grande problema no tocante à AIDS. A tuberculose mata muitos pacientes aqui e a maioria dos médicos não sabe manipular pacientes com AIDS e tuberculose. Precisamos de educação medica continuada com foco em AIDS. Com relação ao Brasil acho é possível, sim, enfrentar a epidemia e o tratamento antirretroviral universal. As profilaxias pré e pós – exposição são alguns dos exemplos que poderão mudar o cenário nacional da AIDS.
ABIA – O Rio de Janeiro será beneficiado com uma articulação (intervenção) interfederativa. Poderia nos dizer como o Gaffrée e Guinle vai contribuir com o processo?
Ferry – O Gaffrée e Guinle tem uma grande capacidade para dar uma boa contribuição neste processo. São 32 anos de experiência em tratamento de enfermos graves. A Universidade Pública e gratuita, ligada ao SUS deve ser o exemplo neste processo, em especial no treinamento dos médicos que se formarão e atuarão para a sociedade. Temos enfermarias, ambulatórios, laboratórios e toda infraestrutura necessária. Nos faltam recursos humanos e financiamento adequado do Hospital.
ABIA – Recebemos a informação de que o HUGG vai anunciar em breve a realização das cirurgias transgênero e a cirurgia plástica para a população trans?
Ferry – Sim, já temos os profissionais para realização destes procedimentos. Há necessidade de cadastrar estes procedimentos na Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, para podermos colocar no SISREG e receber pelo procedimento.
ABIA – O hospital já tem genotipagem do HIV para pacientes com carga viral em qual condição?
Ferry – No final de 2015 finalmente conseguimos implantar a genotipagem do HIV em nosso laboratório. Já está funcionando plenamente. Vamos oferecer estes exames para 10 municípios do Rio de Janeiro. E estamos negociando com a Secretaria Estadual de Saúde para fazermos a genotipagem para hepatite B e C no hospital também.
ABIA – Qual o maior desafio para reerguer o Gaffrée em 2016?
Ferry – Que o MEC nos ofereça as condições e recursos necessários para fazer todas as adequações para pleno funcionamento do Hospital. É preciso mais recursos e ajuda para melhorar os processos de gestão hospitalar.