“A sociedade brasileira se espanta se uma pessoa faz sexo sem camisinha, mas não fica indignada diante das 15 mil mortes em decorrência da AIDS por ano, num país que há 20 oferece acesso universal aos medicamentos antirretrovirais”, afirmou Veriano Terto Jr., vice-presidente da ABIA, durante a roda de conversa “Criminalização, sexualidade e HIV”, que aconteceu na sede da instituição.
Terto Jr. foi uma das principais falas ao lado da juíza aposentada do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Maria Lúcia Karam, do advogado Marclei Silva Guimarães e da coo-coordenadora do Observatório de Sexualidade Política (SPW, sigla em inglês), Sonia Correa. A roda de conversa foi uma ação conjunta da ABIA e do CEDAPS.
A conversa pontuou sobre o paradoxo que resposta brasileira tem enfrentado nos últimos anos. O país, que já foi referência para o mundo, apresenta índices alarmantes de novas infecções, segundo dados lançados recentemente pelo Programa das Nações Unidas sobre a AIDS (UNAIDS). “As pessoas infectadas com HIV são vítimas de um sistema falido que não acolhe adequadamente o paciente”, denunciou Terto Jr.
Além disso, hoje tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 198/2015, que propõe tornar crime hediondo a transmissão intencional do vírus do HIV. A penalização pela transmissão intencional de qualquer infecção ou doença já está prevista por lei. E experiências no mundo demonstram que a criminalização só prejudica a resposta à epidemia.
Taxas prevalecem
Do ponto de vista global, os países do continente africano são os que possuem leis mais rígidas em relação à transmissão do HIV. Entretanto, as taxas de infecção prevalecem. Para Veriano Terto Jr., os casos de criminalização estão diretamente ligados ao preconceito. “Em países como o Egito, a penalidade é usada para perseguir os homossexuais. No entanto, o país apresenta uma alta taxa de Hepatite B, que também é transmitida sexualmente”, comparou.
Para a juíza aposentada Maria Lúcia Karam, a criminalização penal não é um instrumento para lidar com a saúde pública. Ao tentar resolver problemas sociais com medidas de penalização, há uma tendência de violar os direitos humanos universais. “Os direitos humanos devem proteger os indivíduos sem distinção. A criminalização estimula o preconceito de grupos vulneráveis”, analisou Karam.
Já o advogado Marclei Silva Guimarães trouxe o exemplo da condenação de uma mulher em Belford Roxo (município do Rio de Janeiro) acusada pela morte do companheiro por não ter usado a camisinha. O caso, julgado e condenado, teve como argumentação pessoas que ouviram dizer, sem provas concretas. “O réu corre o risco de passar por um julgamento moral”, afirmou.
Um dos participantes expôs a realidade de jovens soropositivos, negros e homossexuais. O jovem demonstrou preocupação, caso o PL 198/2015 venha a ser aprovado. Para ele, essa medida individualiza a culpa, em um momento de desabastecimento de antirretrovirais e exames de carga viral. “Com essas leis, as pessoas passam a enxergar portadores do HIV como corpos perigosos”, lamentou.
Naíse Domingues, estagiária sob supervisão de Angélica Basthi.