No Dia Nacional da Saúde, comemorado no dia 05/08, a ABIA realizou o 4ª workshop da série “Respondendo ao Estigma ao HIV no Brasil“, com foco no Racismo e seus impactos na saúde. Quem conduziu o debate foi Lúcia Xavier, ativista dos direitos humanos das mulheres negras, co-fundadora da organização Criola e técnica da Gerência de Aids/SES-RJ.
Nessa edição do workshop, Lúcia enfatizou as relações entre racismo e saúde, fez um histórico da construção e avanço do conceito de saúde da população negra, bem como suas estratégias de luta e desafios contemporâneos. A ativista relembrou que saúde da população negra, conceito criado pelo movimento negro para agrupar e destacar questões relacionadas a seus processos de saúde e doença, leva em consideração que o racismo influência direta e indiretamente as condições de vida e saúde. Ou seja, que o racismo atua como determinante e condicionante da saúde. “O racismo determina como vamos nascer, viver e morrer. Quando se nasce negro num país como o nosso, isso determina como vamos viver na sociedade”, resumiu ela, que enfatizou que o racismo piora os determinantes sociais da saúde.
Nesse sentido, a incidência e mortalidade da AIDS na população negra são ilustrativas. “A incidência, ao menos olhando os dados gerais, é similar. Nem menor, nem maior, mas muito preocupante. Preocupante porque, se detalharmos os dados, vamos observar situações como a transmissão vertical altíssima no Rio de Janeiro e índices diferenciados de mortalidade. Isso é um indício de que a população negra ainda é a principal afetada”, explicou Lúcia, que lembrou também de como homens e mulheres negros enfrentam toda uma cadeia de discriminações que culminam nesses dados.
Ainda sobre a saúde da população negra, a fundadora da Criola enfatizou a importância de, ao pensar em saúde, considerar o aprendizado e vivência das culturas e tradições afro-abrasileiras, que trazem visões de mundo específicas e modos de agir que influenciam visões e práticas de saúde.
Marcos legais e estratégias de enfrentamento
As lutas da população negra no campo da saúde influenciaram diferentes respostas do Estado brasileiro em relação à qualidade de vida e de saúde desta população ao longo dos tempos. Tiveram, inclusive, influência na criação do SUS. Entre os marcos de políticas destinadas a essa população está a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, que hoje constitui o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010). O Estatuto, lembrou Lúcia Xavier, ainda sofre graves problemas de implementação, mas não deixa de ser um marco importante. “Ele é fundamental para dizer que a saúde da população negra é constitutiva dos direitos humanos. E também marca o racismo e as desigualdades como determinantes sociais de saúde”. Com esse reconhecimento, enfatiza-se a necessidade de ações que promovam a equidade no campo da saúde.
A efetivação do Estatuto de Igualdade Racial e de outras políticas direcionadas não é o único desafio para combater o racismo – dentro e fora do campo da saúde. É preciso também lutar contra a desestruturação, desmonte e desfinanciamento do SUS, bem como fortalecer e ampliar a participação e o controle social das políticas públicas. Lúcia Xavier enfatizou também a urgência em erradicar práticas discriminatórias e violências institucionalizadas no SUS (como os casos de violência obstétrica narrados durante o workshop, que violam direitos sexuais e reprodutivos de mulheres negras). Na mesma linha, é preciso produzir e disseminar informações atualizadas e de qualidade para que todos e todas possam estar cientes das tecnologias disponíveis e possam de fato tomar decisões informadas. Não menos importante, consolidar a equidade e a integralidade em saúde – princípios do SUS – implica reconhecer e valorizar práticas de saúde produzidas pelas populações negras e pelos povos indígenas.
Essas tarefas não são fáceis e dão-se em um momento de destruição de políticas públicas e de direitos em todos os campos. O que só reforça a importância da mobilização social permanente para efetivar direitos conquistados por lutas que vêm de longe.
O Workshop “Respondendo ao Estigma ao HIV no Brasil: Racismo e saúde” está disponível no Youtube da ABIA. O quinto debate da série acontece em setembro e discutirá o papel das religiões.
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