Na semana do Dia Internacional do Orgulho LBGTQIA+, a ABIA realizou o terceiro workshop da série “Respondendo ao Estigma ao HIV no Brasil”, com o tema Sexualidade. Vera Paiva, professora do Instituto de Psicologia da USP e precursora no enfrentamento ao HIV no Brasil foi quem conduziu o workshop, que está disponível no canal de Youtube da ABIA.
O debate abordou sobre como o estigma e o preconceito impactam a sexualidade e expõem as pessoas em situações de vulnerabilidade para a infecção do HIV, de outras infecções sexualmente transmissíveis e até mesmo para a COVID-19. Explorando as definições de estigma e de sexualidade, Vera destacou como ambos os conceitos se interrelacionam e a importância das experiências individuais na construção dos ativismos.
Entendendo que o estigma tem um caráter político e social, mas também uma dimensão individual, Vera estimulou os participantes a relembrarem experiências onde foram estigmatizados e estigmatizadas, por quê e por quem. Com esse exercício, ela lembrou que os estereótipos, intrinsecamente relacionados ao estigma, sustentam a ordem social e a discriminação, fazendo com que as pessoas sejam reduzidas a apenas uma de suas características (religião, cor da pele, origem étnica, deficiência, gênero, sexualidade, estigmas associados ao HIV, etc).
Com isso em mente, destacam-se duas dimensões do estigma: o estigma “atuado” – isto é, o que se materializa através da discriminação e da violência – e o estigma “sentido” – a a forma com que percebemos e reagimos a esta discriminação e violência. Essa segunda dimensão é crucial, como explicou Vera: “Às vezes ela nos impede de atuar, de agir. Por outro lado, muitas vezes é sentir o estigma que nos movimenta a produzir uma ação. Muitas vezes é isso que nos dá consciência de que somos portadores de direitos e que podemos ser sujeitos de direitos humanos em ação”.
No campo da sexualidade, que pode ser experienciada também em contextos de humilhações e opressões, isso é facilmente visualizado. Como a professora da USP reforçou em sua exposição, as práticas sexuais resultam de um processo de aprendizagem possível em função dos scripts sociais a que temos acesso, e não apenas da biologia que carregamos. Da mesma maneira, elas se reinventam e mudam seu valor moral e político tanto no curso da história social quanto ao longo das vidas das pessoas.
Com esse norte, a professora da USP destacou a importância de refletir se e quando, nas histórias pessoais, os estereótipos marcaram a socialização de cada pessoa para o sexo. E questionou: o que é aprendido como “scripts indesejados”? E são indesejados por quê? Por quem?
“A nossa resposta coletiva está enraizada na história de um. E o modo como cada pessoa entende e decodifica sua experiência específica nos ajuda a agir e produzir enquanto movimento social”, resumiu Vera Paiva, mais uma vez conectando as dimensões individual e coletiva para realizar um enfrentamento ao HIV, a AIDS e a outras doenças, inclusive a Covid-19.
Nesse tópico, a professora lembrou que, durante a pandemia de Covid-19, sexualidade tem sido um tabu – e que não é possível pensar em prevenção de maneira eficaz sem considerar também o contexto de Covid-19.
“A sexualidade na pandemia tem um duplo perigo, porque não é só a autoexposição. Ao voltar para casa, por exemplo, você expõe outras pessoas também. Há jovens sendo estigmatizados por isso, isso pode aumentar ainda mais a vergonha, a experiência do estigma”, diz. “E nós já sabemos com a AIDS que grupos que não têm seus direitos respeitados e garantidos têm perfis piores de saúde, de morte”.
Também contribuiu com o debate o ativista Marcelo Jardim dos Santos, orientando de Vera no departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina da USP e membro do coletivo Loka de Efavirenz. Marcelo contou a história de atuação do coletivo, que surgiu para lutar contra o silenciamento das experiências de pessoas vivendo com HIV e as violações de seus direitos. Realizando intervenções de prevenção na cidade de São Paulo, o Coletivo busca trabalhar especialmente com jovens. “As comunidades LGBT tentam fugir, se desassociar do estigma da AIDS, mas a gente tem que enfrentar isso. Está aí, é nossa responsabilidade também, enfatizou ele.
O próximo Workshop da série “Respondendo ao Estigma ao HIV no Brasil” acontece em agosto e discutirá sobre o racismo.
Acesso o resumo da oficina “Sexualidade e estigma” aqui
Reportagem: Nana Soares (colaboradora Observatório de Sexualidade e Política – SPW, sigla em inglês)